segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Secou a fonte dos golos levezinhos

No momento em que Tonel fazia, de cabeça, o golo que colocava o Sporting em vantagem sobre a Académica, em Coimbra, Liedson estabelecia um novo recorde negativo. Ao mesmo tempo que ia buscar a bola ao fundo da baliza de Pedro Roma e a pontapeava para longe, antes de se juntar discretamente à celebração colectiva, montada junto à bandeirola de canto, o melhor goleador leonino dos últimos anos superava o seu anterior máximo de tempo de jogo sem marcar golos na Liga portuguesa, que agora se fixa em 659 minutos. É um valor inferior ao de qualquer dos melhores goleadores da prova (ver textos nestas páginas), mas mesmo assim disso se tem ressentido o Sporting, que no período negro do “Levezinho” viu fugir de forma irremediável o FC Porto na luta pelo título e até já se deixou ultrapassar pelo V. Guimarães na luta pela terceira posição, que dá acesso à Liga dos Campeões.
Paulo Bento, treinador do Sporting, sabe que para devolver a equipa ao bom caminho precisa de resolver o enigma Liedson. Por que razão deixou Liedson de decidir jogos? A explicação mais vezes apontada por antigos goleadores de ofício para estes períodos de seca tem a ver com uma quebra de confiança, com o modo como o jogador se sente. “O fundamental é a confiança e a auto-estima do goleador, no sentido de nunca desanimar a acreditar sempre que até ao fim de um jogo pode aparecer um lance de golo”, avança o bi-Bota de Ouro Fernando Gomes, seis vezes melhor marcador do campeonato nacional, sempre com a camisola do FC Porto, mas que no final da carreira ainda representou o Sporting. O caso de Liedson pode, de facto, começar por ser uma questão de confiança, mas convém não afastar à partida outros factores, desde o pessoal ao táctico. Domingos Paciência, que como treinador da Académica, também contribuiu para aumentar a “seca” do goleador sportinguista, sabe bem o que Liedson está a passar, sobretudo porque foi o último grande atacante “Levezinho” na nossa Liga.
“Antes do jogo disse aos meus jogadores que perante um jogador como o Liedson, que tem grande mobilidade, o fundamental é não abandonar o espaço, não deixar a zona frente à baliza liberta para movimentos de ruptura”, revela o técnico da Académica, que no tempo em que, com a camisola do FC Porto, se sagrou melhor marcador do campeonato, pesava exactamente o mesmo que Liedson (63 quilos), medindo menos um centímetro (1,74m face aos 1,75m do atacante leonino). Ora a questão é que a presença de Purovic, um ponta-de-lança mais fixo, a fazer dupla de ataque com Liedson, vem ajudar os defesas adversários a centrarem-se mais na zona frontal, impedindo-os por isso de abandonar esse espaço. “É melhor para nós, porque com um jogador mais fixo há uma referência de marcação. As movimentações típicas do Liedson são a fuga para as alas, sobretudo a esquerda, quando o ataque organizado do Sporting não sai à primeira, ajudando aí a esticar o jogo e surgindo depois de surpresa no meio, no espaço que libertou”, considera Domingos. “Jogar contra Liedson e Derlei, por exemplo, é completamente diferente”, sintetiza o treinador da Académica, que pegou na equipa precisamente depois de esta ter sido trucidada (4-1) por essa dupla atacante, no jogo da primeira volta, em Alvalade.
Fernando Gomes era um ponta-de-lança diferente, mais clássico e habituado a jogar em 4x3x3, sozinho na área, com dois extremos a ladeá-lo, mas também crê que a adequação ao sistema táctico tem influência nas secas que os goleadores passam. Não acredita, contudo, que esse aspecto seja fundamental. “É verdade que marquei mais golos a jogar como único ponta-de-lança, mas também fui melhor marcador a jogar em dupla com o Duda ou depois com o Walsh”, sustenta. “Acredito que os jogadores podem ter o seu espaço em campo e que se alguém ocupar esse espaço possam ressentir-se, mas além das questões físicas, o fundamental é o goleador sentir que todos estão com ele”, complementa Fernando Gomes, que admite também alguma influência de factores extra-futebol. “Os problemas pessoais também podem afectar o rendimento: tudo o que afecta o homem afecta o jogador”, diz, referindo-se ao castigo recentemente imposto a Liedson, na sequência de este se ter recusado a marcar um penalti num treino. “Parece-me que isso o afectou bastante. Eu lembro-me que quando não estava bem com o treinador, não funcionava tão bem. Porque o avançado tem que sentir que tudo rema para o mesmo lado, que é para ele marcar”, completa Fernando Gomes.É que se é normal que qualquer goleador passe por más fases, ao número 31 leonino isso raramente acontecia. Sem festejar um golo pessoal na Liga desde que, com um invulgar remate de fora da área, ajudou a resolver o jogo do Sporting com a Naval, em Alvalade, a 4 de Novembro do ano passado, Liedson marcou desde então na Champions, à Roma e ao Dynamo Kiev, mas precisa de recuar ao período da sua saída do Corinthians para encontrar período mais negativo em campeonatos nacionais: nessa altura, mediaram 730 minutos entre o seu último golo pelo “Timão”, marcado ao Fluminense a 29 de Junho de 2003, e o primeiro que fez pelo Sporting, a 4 de Outubro, ao Marítimo. Em Portugal, a sua mais longa seca era de 649 minutos, entre o golo com que fechou a vitória leonina sobre o Belenenses, a 24 de Janeiro de 2004, e aquele com que fechou outro sucesso, face ao Alverca, a 16 de Março do mesmo ano. A visita do Lagoa, hoje, em jogo da Taça de Portugal, não interromperá a seca em jogos de campeonato, mas pode pelo menos ajudar a anular algumas das suas explicações. Assim Liedson jogue e encontre o caminho das redes, de forma a restabelecer a confiança.
MAUS MOMENTOS DOS GOLEADORES
Lisandro Lopez
Racing Avellaneda e FC Porto
819 minutos

A época em que foi o melhor marcador do campeonato argentino foi também aquela em que Liasndro Lopez experimentou o maior período de seca goleadora. A 18 de Setembro de 2004 fez o único golo do Racing na derrota (1-2) frente ao Gimnasio de La Plata, só voltando depois a festejar a 13 de Novembro, quando bisou na vitória por 2-0 no terreno do Almagro. No FC Porto, apesar de ter passado as duas primeiras épocas a jogar numa ala, o pior que regista são 682 minutos em branco (de 6-11-06 a 16-2-07).

Linz
Áustria Viena, Admira Mödling, Nice, Sturm Graz, Boavista e Sp. Braga
1074 minutos
O austríaco do Sp. Braga tem dois períodos negros na sua vida de goleador. Entre Agosto de 2002 e o mesmo mês de 2003 esteve a oito dias de completar um ano sem marcar, embora a condição de pouco utilizado no Áustria lhe tenha limitado a série a 637 minutos. A maior seca (1074’) viveu-a entre 20 de Maio de 2004 e 19 de Março de 2005, muito graças ao meio ano em branco no Nice, entre as passagens pelo Admira e pelo Sturm Graz. Em Portugal, ainda não passou dos 611’, pelo Boavista, de 18-12-2006 a 31-3-07.

Edinho
Sp. Braga, P- Ferreira, Gil Vicente e V. Setúbal
970 minutos

Edinho está a viver uma época de ouro, mas só quando passou a começar no banco é que quebrou a mais longa seca goleadora da sua carreira. Depois de, a 7 de Abril de 2007, ter marcado ao Vizela o primeiro golo de uma vitória (2-1) do Gil Vicente, na II Liga, Edinho encetou um longo período de desinspiração, que se alargou às primeiras três rondas desta época, já em Setúbal. E só a 14 de Setembro, quando perdeu a titularidade na equipa de Carvalhal, é que voltou a marcar, no triunfo (3-1) sobre o Sp. Braga. 970 minutos depois.

Nuno Gomes
Boavista, Benfica e Fiorentina
1085 minutos

A maior seca goleadora de Nuno Gomes ocorreu na última época de xadrez antes de se mudar para o Benfica. Depois de, a 18 de Janeiro de 1997, marcar, aos 26’, um golo que recolocava o Boavista comandado pelo interino Rui Casaca em vantagem sobre o Estrela da Amadora (2-1), Nuno Gomes zangou-se com as balizas até que, a 27 de Abril, já com Mário Reis na liderança do onze, fez um “hat-trick” na goleada (7-0) ao Gil Vicente. No Benfica, Nuno Gomes nunca esteve mais de 827 minutos sem marcar.

Makukula
Salamanca, Leganés, Nantes, Valladolid, Sevilha, Nastic e Marítimo
964 minutos
Makukula já esteve mais de um ano sem fazer golos, de Fevereiro de 2005 a Outubro de 2006, mas com uma grave lesão pelo meio, pelo que a maior seca (964 minutos) remonta à passagem por França. Que até começou bem, pois marcou logo na segunda partida, ajudando a mitigar a derrota do Nantes (1-2) no Mónaco. Só que esse foi o primeiro e o último golo de Makukula no Nantes. Após 11 de Setembro de 2002, só voltou a celebrar a 27 de Setembro de 2003, bisando na derrota do Valladolid em Vigo, contra o Celta (2-3).

João Paulo
Aves, Feirense, V. Setúbal, Boavista, Boavista, Varzim, Beira Mar, Estoril, Tenerife, P. Ferreira e U. Leiria
2140 minutos

Uma das jovens promessas portuguesas para o ataque, João Paulo conjugou presenças nas selecções jovens com um período de difícil afirmação na Liga. Após empréstimos a Aves, Feirense e V. Setúbal, estreou-se na Liga pelo Boavista, mas só conseguiu o primeiro golo a 16 de Janeiro de 2004, pelo Beira Mar, depois de ter passado pelo meio uma época no Varzim. Ao todo, foram mais de três anos e 2140 minutos sem marcar, desde o último golo, conseguido pelo V. Setúbal, ao Marco, a 12 de Novembro de 2000, na II Liga.
Publicado em Diário de Notícias, 19/1/2008

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