segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Um processo com muitos culpados

Carlos Janela foi o primeiro a cair, por decisão da administração. Cabral Ferreira decidiu afastar-se, encontrando nas limitações de saúde uma desculpa para evitar assumir culpas. Mas o desastre organizativo que foi a utilização de Meyong pelo Belenenses tem muitos culpados, desde os dois citados ao departamento jurídico do clube, com passagem pelo jogador, pelo seu empresário, pelo agente que assumiu as negociações. Aliás, se há coisa difícil de encontrar aqui são inocentes.
O director desportivo do Belenenses foi o único, até agora, a assumir culpas, embora também ele as tente mitigar com uma misteriosa advertência à Liga: “Cuidado! Não vai ser fácil à Liga abrir um processo disciplinar ao clube!”, disse Janela no momento da expiação. Mas em vez de ser lida à luz da mentalidade retorcida do futebol português, que nestes casos encontra sempre expedientes que depois acabam em Mapuatas, Basaúlas ou Mateus, a frase de Janela deve servir para que se perceba que – e nisso o homem tem razão – a culpa não pode ser toda dele. Embora o próprio deva compreender que, mesmo não tendo sido ele a liderar o processo, a culpa seja sobretudo dele. Porque é ele o profissional do clube com esta área de competência, porque foi como secretário-técnico e depois director desportivo e assessor-directo de um agente FIFA – responsável pela elaboração de muitos contratos – que Janela passou os últimos 20 anos da sua vida. Se alguém na estrutura do Belenenses devia averiguar se Meyong podia ser utilizado pelo clube era ele. E não eram precisos dias de pesquisa: bastava uma consulta rápida, de dois minutos, a um dos sítios da Internet especializados em estatística do futebol para ficar em condições de advertir o presidente para a asneira que estava prestes a fazer. E se não o fizesse por suspeitar de pormenores contratuais, deveria pelo menos tê-lo feito para perceber qual tinha sido o rendimento do jogador nos últimos meses.
Porque, embora alegue que foi o presidente Cabral Ferreira quem assumiu as negociações em nome próprio, em nenhum momento Janela alega desconhecimento de que elas decorriam. E, ainda na semana passada, em declarações ao DN, o próprio Janela definia assim as suas funções: “é importante haver alguém que faça um diagnóstico real da equipa. Sem essa pessoa, os problemas ou não são detectados a tempo ou chegam à administração com fundamentos deturpados”. Foi o caso. O que não impede que Cabral Ferreira também devesse ter ido mais longe na busca de informação. Liderar é, em muitos casos, envolver. E o mínimo que pode dizer-se da acção do presidente do Belenenses é que não envolveu a estrutura numa acção de capital importância para a equipa como o reforço da equipa de futebol. Além de que, hoje em dia, ser presidente de uma SAD já implica a necessidade de se ter conhecimentos mais do que básicos dos regulamentos que regem o futebol. E, no momento de abandonar, Cabral Ferreira alegou impedimento de saúde para deixar o clube mas vai manter-se precisamente na SAD.
De qualquer modo, a lista de culpados não deve ficar por aqui. São culpados os membros do departamento jurídico do Belenenses que trataram do caso. É culpado o empresário que intermediou o negócio, o colombiano Efrain Pachón, por má-fé ou impreparação para a profissão (a licença de agente-FIFA está dependente do conhecimento dos regulamentos de transferências, onde se estipula claramente que nenhum jogador pode representar três equipas na mesma época). É culpado o empresário com contrato registado com o jogador, Paulo Teixeira, por negligência: diz Meyong que não lhe fala há mais de um ano. É culpado o jogador, porque a um futebolista tão bem remunerado deviam exigir-se conhecimentos pelo menos rudimentares das leis da profissão. No meio de tudo, só não têm culpa a FPF e a Naval. Mas, em bom rigor, ambos podiam ter-se poupado ao papel que fizeram. Gilberto Madaíl não tinha que afirmar que para informar os clubes dos clubes onde cada jogador actuou seria preciso uma mega-operação de pesquisa: os regulamentos da FIFA obrigam cada federação a emitir e actualizar um documento chamado “passaporte do jogador”, onde devem figurar todosos registos desde que o futebolista fez 12 anos. E Aprígio Santos, se sabia que o adversário ia incorrer numa irregularidade, deveria ter alertado alguém em vez de ficar à espera de ganhar o jogo na secretaria. Isso não é de desportista.
Publicado em Diário de Notícias, 19/01/2008

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