sábado, 3 de março de 2007

Competições europeias viram a Leste

FC Porto, Benfica e Sp. Braga jogam esta semana o seu futuro na Liga dos Campeões e na Taça UEFA e, ao mesmo tempo, lutarão para ajudar Portugal a segurar um lugar entre os seis primeiros do ranking da UEFA. A Roménia, que mais ameaçava tirar aos portugueses a terceira vaga na Liga dos Campeões de 2008/09 já ficou sem representantes, de forma que só um cataclismo levará Portugal a ser ultrapassado por Alemanha e Holanda. O objectivo parece, desta forma, atingido. Mas 2008/09 deverá mesmo ser o último ano em que Portugal inscreve três equipas na prova mais rica do futebol europeu. Responsável: Michel Platini, novo presidente da UEFA.
No final de Janeiro, Platini viu o seu programa para a presidência da UEFA ser aprovado por 27 das 52 federações votantes no congresso de Dussledorf. E no programa estava lá, bem clara, a promessa de universalidade. “Mantenhamos a Liga dos Campeões com o formato actual, mas reequilibremo-la em favor dos campeonatos nacionais. Instauremos assim um número máximo de três clubes directamente qualificados por país para permitir a participação a mais nações”. Lennart Johansson, o sueco sob cujo mandato nasceu a Liga dos Campeões e candidato derrotado nas eleições (teve 24 votos, uma vez que houve dois nulos) discordava e, nos dias que antecederam o escrutínio, matraqueou sem cessar na mesma tecla. “Não farei nenhuma mudança numa competição apreciada por jogadores e clubes e seguida por televisões do Mundo inteiro”, prometia Johansson, acenando ainda com os cinco mil milhões de euros de receitas geradas pela prova desde a sua criação, há 15 anos, e que tanto têm ajudado a enriquecer o futebol.
Assim que foi eleito, o novo presidente da UEFA teve de responder acerca deste ponto. Não revelou um plano concreto, ou pelo menos não foi além do que dissera antes. “Trata-se apenas do quarto classificado dos campeonatos mais poderosos. E somente em 2009. Nunca antes”, disse. Em suma, a partir de 2009/10 os três primeiros classificados do ranking UEFA (presentemente Espanha, Inglaterra e Itália, por esta ordem), deixarão de poder levar quatro equipas à Liga dos Campeões: se actualmente têm dois qualificados directamente e mais dois em pré-eliminatórias (que quase sempre se qualificam) passarão apenas a ter três apurados de forma directa e ninguém nas rondas preliminares. Desta forma se libertam três vagas na fase de grupos, que poderão ser disputadas de forma mais aberta por nações de outros países em rondas classificatórias sem os papões que impedem a tal universalidade. O que Platini não revelou ainda é se, como é previsível, este efeito universalista se alargará depois aos países colocados nos lugares imediatamente a seguir (França, Alemanha e Portugal), que actualmente têm a possibilidade de levar três equipas à Champions (duas de forma directa e uma através de uma eliminatória preliminar).
O voto nas eleições da UEFA é secreto, pelo que não se sabe quem votou no plano de regresso às origens de Platini, mas a reacção de satisfação dada na sala por Zbignew Boniek quando os resultados foram anunciados deve-se seguramente a mais do que uma relação pessoal amigável com o seu ex-colega da Juventus. É que Platini usou uma táctica digna de Blatter, rodeando-se de pobres e excluídos (que são muitos) e seguramente garantindo desde logo os seus votos. E o que são neste momento os países de Leste no grande mapa do futebol europeu senão pobres e excluídos? Nos oito anos em que usou o sistema actual, com 32 equipas na fase de grupos (um total de 256 vagas, portanto), a Liga dos Campeões só teve a jogá-la 12 equipas do antigo bloco de Leste. E mesmo entre estes há dificuldades de acesso: Dynamo Kiev (sete presenças), Sparta Praga (seis), Spartak Moscovo (quatro), Lokomotiv Moscovo (três), Shakthar Donetsk (três) e CSKA Moscovo (duas) vinham todos de apenas três países (Ucrânia, Rep. Checa e Rússia). Só o Levski Sofia (Bulgária), o Artmedia Bratislava (Eslováquia), o Partizan Belgrado (Sérvia), o Steaua Bucareste (Roménia), o Maribor (Eslovénia) e o Croácia Zagreb (Croácia), com uma presença cada, furam o domínio daquele trio.
A questão agora é saber se, deixando-os jogar mais vezes, eles são capazes de evitar a eliminação sem honra que até aqui lhes marca todas as presenças.


Grandes momentos das provas europeias
Taça dos Campeões Europeus
A primeira competição europeia de futebol apareceu em 1955, um ano depois do nascimento da UEFA. Saiu da mente de Gabriel Hanot, jornalista do “L’Équipe” e teve uma primeira edição destinada a clubes convidados: por Portugal esteve o Sporting, que nem era campeão nacional. Em 1956, passou a destinar-se apenas aos campeões nacionais e ao vencedor da edição anterior.
As provas secundárias
Ao mesmo tempo, um suíço, Ernst Thommen, teve a ideia de organizar um torneio entre equipas de cidades que organizavam feiras de comércio. Nascia a Taça das Feiras, cuja primeira edição durou… três anos (1955-58) e que mais tarde foi reconvertida numa prova para os melhores classificados das Ligas e rebaptizada Taça UEFA. Em 1960 apareceu a Taça das Taças, para os vencedores das taças nacionais.
Liga dos Campeões
No final dos anos 80 começou a falar-se na criação de uma SuperLiga europeia entre os maiores clubes, de modo a aumentar as receitas de TV. A UEFA antecipou-se e, em 1991-92, mudou o formato da Taça dos Campeões, passando a incluir jogos em “poule” em vez da eliminação directa, condicionando os sorteios e, sobretudo, apostando no “marketing” centralizado. Estava descoberta a galinha dos ovos de ouro.
Extinção da Taça das Taças
A UEFA foi abrindo cada vez mais a porta aos grandes clubes, pelo que os pequenos se queixaram. Desta forma, primeiro extinguiu a pouco rentável Taça das Taças (a última foi em 1998-99), passando a qualificar os vencedores das taças para a Taça UEFA. E em 2004 incluiu também uma fase de grupos nesta competição, embora a uma só mão e, por isso, com menos jogos.


O que é o G-14
Criado em Setembro de 2000, o G-14 tomou este nome porque nele estavam representados 14 dos mais poderosos clubes de futebol europeus: três italianos (Milan, Inter e Juventus), dois espanhóis (Barcelona e Real Madrid), dois ingleses (Manchester United e Liverpool), dois alemães (Bayern Munique e Borussia Dortmund), dois franceses (Paris SG e Ol. Marselha), dois holandeses (Ajax e PSV Eindhoven) e um português (FC Porto). Em 2002, àqueles 14 clubes juntaram-se mais quatro (Arsenal, Leverkusen, Lyon e Valência), permitindo a Inglaterra, Alemanha, França e Espanha igualarem a Itália com três membros cada. De fora, continuam clubes poderosos, como o Chelsea, os dois grandes de Glasgow (Celtic e Rangers), o Anderlecht ou o Benfica, alegadamente para que os 18 membros não percam poder. “Os membros decidiram que a expansão do grupo só pode ser feita por convite”, explica Kurth, revelando que a prioridade é “a consolidação do grupo actual”.


ENTREVISTA
Thomas Kurth, director-geral do G-14 e um dos mentores da Liga dos Campeões, rejeita a ideia de “universalidade” preconizada por Platini

“O valor desportivo
não tem nacionalidade”


– Como reage ao anúncio, feito por Platini, de que pretende reduzir o número de vagas dos países mais poderosos na Liga dos Campeões?
– A Liga dos Campeões é a mais forte das competições europeias e é jogada pelas mais fortes equipas europeias. O número de participantes por país e o momento em que entram em prova são determinados por critérios puramente desportivos. Não nos parece que faça sentido trocar estes critérios baseados em resultados por outros, em detrimento da qualidade desportiva da competição, apenas para permitir que nela entrem equipas de mais países. Acreditamos que o novo presidente da UEFA apresentará pessoalmente as suas ideias aos nossos membros e a outros clubes que participam regularmente nas competições europeias e que estará disposto para lhes ouvir opiniões e expectativas.
- Mas não acha que a Liga dos Campeões ficaria a ganhar se mais países nela estivessem representados?
- De um ponto de vista puramente desportivo, o que interessa é ter as equipas mais fortes a competir umas contra as outras na Liga dos Campeões. O valor desportivo não está de forma alguma relacionado com a nacionalidade dos clubes e dos jogadores. Por isso, não: a prova não será melhor apenas porque mais países nela estejam representados, a não ser que as equipas desses países que habitualmente não estão envolvidos a ela acedam em resultado do seu mérito desportivo.
- A resposta dos clubes mais poderosos pode ser a criação de uma Liga europeia independente?
- Os clubes membros do G-14 não têm interesse na criação de uma Liga independente. Uma das suas prioridades é competir a nível doméstico, nos campeonatos e nas taças nacionais; outra é competir simultaneamente a nível europeu. A Liga dos Campeões é uma prova muito bem sucedida, tanto de um ponto de vista desportivo, como económico ou organizativo. Por isso não vemos necessidade de criar uma Liga Europeia privada.
- Mas alguma vez fizeram estudos de mercado com uma Super Liga europeia fechada, como a NBA, e jogada às quartas-feiras, dessa forma permitindo aos participantes continuar a jogar os campeonatos nacionais?
- Aderimos inteiramente ao princípio de qualificação através do mérito desportivo e de um sistema de subidas e descidas de divisão, pelo que nunca fizemos estudos com Ligas fechadas.
- Qual será o formato do futuro?
- Não podemos prevê-lo. Idealmente, será o resultado de discussões abertas e de uma permanente troca de ideias entre os clubes e a UEFA, nunca esquecendo as expectativas dos adeptos.
- E essa troca de ideias tem existido?
- Os membros do G-14 estão regularmente nas provas europeias e mantém múltiplos contactos com a UEFA. Esta sabe bem quais são as nossas ideias e expectativas.
- Michel Platini já tentou conhecê-las?
- Platini foi eleito presidente há um mês e, neste momento, estão a ser feitas consultas a clubes membros do G-14. Contudo, muito mais importantes que estas primeiras discussões são as mudanças no plano governativo que esperamos venham a ser feitas a longo prazo. Muitos dos problemas actuais e a fonte de inúmeros conflitos entre os clubes e as selecções nacionais poderão ser evitados se os clubes forem integrados no processo de tomada de decisões.
- É esse o objectivo do G-14 neste momento?
- A mera existência do G-14 garante que os interesses dos clubes de futebol em geral não podem continuar a ser ignorados pelos órgãos governativos. – A.T.

Publicado em Correio da Manhã, 3/3/2007

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