sexta-feira, 2 de março de 2007

Miguel Veloso e o risco

O momento em que, de bola nos pés à entrada do meio-campo adversário, Miguel Veloso levanta a cabeça e se decide pelo passe cruzado, a rasgar o campo, em direcção a Liedson, é definidor da qualidade de um jogador. Ali, ele podia esperar, segurar a bola para que os colegas (e os adversários também) se recolocassem melhor, podia entregar ao lado ou atrás, de forma a não se comprometer, podia fazer uma infinidade de coisas. Mas o que fez foi arriscar a descoberta imediata do caminho que levava ao golo. Teve prémio.
Momentos como este fizeram muita falta ao Sporting, especialmente enquanto João Moutinho e Nani atravessaram uma fase má da qual parecem estar agora a sair. Sem a capacidade dos seus dois dínamos para chegar depressa e com qualidade à frente, a equipa bem precisava de quem arriscasse um pouco nas transições ofensivas. E aqui perguntam os menos atentos: mas Miguel Veloso não é defesa ou médio-defensivo? É. Contudo, é a capacidade de esticar o jogo, de transformar acção defensiva em atacante que o torna único no plantel do Sporting. Defesa no campo, é um atacante na mentalidade e talvez seja isso mesmo que mais lhe tem inibido a afirmação numa equipa que privilegia os equilíbrios. Porque com Miguel Veloso em campo, sobretudo quando joga como médio-centro, as transições – especialidade deste Sporting – são muito mais imprevisíveis e difíceis de controlar.
Se com Custódio a médio-centro a equipa melhora o seu jogo posicional e as coberturas defensivas são mais eficazes e se com Moutinho naquela posição consegue aumentar o ritmo de forma segura, porque a circulação de bola é feita com mais intensidade mas menos risco, com Veloso ali, o jogo acelera ofensivamente. O preço a pagar é que também se perdem algumas referências no momento de reagrupar após a perda da bola. O próprio Paulo Bento referiu, após o jogo de Paços de Ferreira, que a equipa sofreu um golo pouco habitual, numa transição defensiva, a que não é alheia a contribuição do médio-centro. Se Veloso jogar como defesa-central, o problema tende a perder importância, mas tão atrás é raro ele ter a possibilidade de avançar em posse de bola enquanto há espaço convidativo para os seus passes largos no ataque: o tempo que ele demora a chegar a uma posição onde possa ser decisivo também serve para que os adversários se organizem.
A verdade é que basta olhar para os resultados para se perceber que há um Sporting com e outro sem Miguel Veloso. O primeiro é mais excitante, tem mais profundidade atacante e, apesar de ter sido submetido a provas mais duras – como quatro dos seis jogos da Liga dos Campeões – até ganha mais vezes: regista duas vitórias a cada três jogos e quase dois golos marcados por desafio. Sem o filho do ex-capitão do Benfica em campo, a equipa não ganha sequer metade dos jogos e pouco passa de um golo marcado por desafio. Miguel Veloso tem sido o melhor reforço de todos os que chegaram esta época ao Sporting, mas para aproveitar o seu futebol largo e arriscado é preciso querer fazê-lo.

SPORTING COM MIGUEL VELOSO

Nacional (f) 1-0 Médio-centro
Inter Milão (c) 1-0 Médio-centro
P. Ferreira (c) 0-1 Médio-centro
Aves (f) 2-0 Defesa central
Spartak (f) 1-1 Médio-centro
U. Leiria (c) 2-0 Médio-centro
Bayern Munique (c) 0-1 Médio-centro
Spartak (c) 1-3 Médio-centro
V. Setúbal (f) 3-0 Defesa central
Académica (c) 1-0 Defesa central
U. Madeira (f) 3-1 Defesa central
Rio Ave (c) 2-1 Defesa central
Nacional (c) 5-1 Médio-centro
Pinhalnovense (f) 6-0 Defesa central
P. Ferreira (f) 1-1 Médio-centro
Total: 15 jogos, 10 vitórias, 2 empates e 3 derrotas
66% de vitórias


SPORTING SEM MIGUEL VELOSO
Boavista (c) 3-2
E. Amadora (f) 1-0
FC Porto (c) 1-1
Beira Mar (f) 3-3
Sp. Braga (c) 3-0*
Bayern Munique (f) 0-0
Marítimo (f) 1-0
Inter (f) 0-1*
Naval (f) 1-0
Benfica (c) 0-2
Belenenses (f) 0-0*
Boavista (f) 1-1*
* Suplente utilizado
Total: 12 jogos, 5 vitórias, 5 empates e 2 derrotas
41% de vitórias


DÚVIDAS LEGÍTIMAS
O FC Porto pode eliminar o Chelsea?
Se, como é provável, José Mourinho ainda não tiver John Terry; se Jesualdo Ferreira não encolher a equipa como fez na visita ao Arsenal, em que abdicou da identidade atacante; se aumentar a agressividade na zona em frente aos centrais e se voltar a ter Quaresma em noite-sim, pode. São muitos ses, mas há horas de sorte.

O Barcelona desaprendeu de jogar?
Sem especular acerca do balneário, há um sinal evidente disso mesmo: a intensidade colocada em campo diminuiu desde a final de Paris. Não basta conhecer bem os rudimentos daquela forma de jogar, circular a bola a um-dois toques e disponibilizar sempre duas linhas de passe ao portador da bola. Há que fazê-lo com ritmo.

Em que é Miccoli diferente de Nuno Gomes?
Em tudo. Mas no que ao papel de ponta-de-lança diz respeito, embora ambos gostem de recuar para participar na movimentação colectiva, Nuno Gomes fá-lo sobretudo em busca de apoios laterais para uma tabela, enquanto Miccoli o faz com o fito numa desmarcação de ruptura, para aparecer de surpresa na frente a concluir.


PÉ DE PÁGINA
PROFISSIONAL. No Barcelona-Liverpool, há um momento revelador. Num livre indirecto dentro da área de Valdês, Puyol não saiu de frente da bola até que o árbitro lhe disse, não uma mas duas vezes, que a bola só podia ser movimentada após o silvar do apito. Depois do que acontecera na véspera, um golo “à traição” marcado por Ryan Giggs ao Lille, o capitão do Barca estava a ser profissional, a justificar o que lhe pagam.

FAIR-PLAY. Num Mundo perfeito, haveria “fair-play” e tal não seria necessário. Mas no Mundo em que vivemos, um Mundo concorrencial, em que a arte do engano nem sempre é devidamente punida, quem tem razão é Jorge Jesus: o “fair-play” é mesmo uma treta. Quanto mais não seja porque não está na lei (se estivesse não era “fair-play” mas sim legalidade) e porque quem manda permite que ele seja ignorado de forma sistemática.

INGENUIDADE. É por isto que não condeno as equipas que não deitam a bola para fora quando há um adversário por terra. Se for grave, o árbitro deve interromper; se não for, o jogador que saia pelo próprio pé. O que não pode suceder é uma equipa abusar das ingenuidades alheias, cortar uma situação de perigo ao adversário com uma lesão e, a seguir, devolver-lhe a bola para perto da baliza, onde nem se coíbe de pressionar.

Publicado em Record Dez, 24/2/2007

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