quarta-feira, 14 de março de 2007

O que valem as segundas linhas

Não é preciso nenhum tratado de astrofísica para perceber que o plantel do FC Porto é o mais rico dos dos três clubes grandes em Portugal. Contudo, se olharmos apenas para os resultados, é no Dragão que mais se fazem sentir as ausências dos jogadores nucleares: nas duas vezes que alinhou sem Pepe, por exemplo, o FC Porto perdeu, como perdeu no único jogo que Jesualdo Ferreira fez sem Helton ou Lucho Gonzalez (este faltou também na Supertaça, mas aí a equipa estava entregue a Rui Barros).
É uma questão de peso específico: por terem mais qualidade, há jogadores que deixam a equipa órfã quando não podem dar-lhe o seu contributo. E aqui fala-se sobretudo de Pepe, mas também de Lucho ou Quaresma. “O Pepe é o jogador mais difícil de substituir no FC Porto. E ninguém se lembra, por exemplo, do Pedro Emanuel”, diz Toni, ex-treinador e jogador do Benfica. “Faz mais falta o Pepe que o Quaresma, porque é mais constante”, complementa, enquanto António Sousa, ex-futebolista do FC Porto, garante que as opções de qualidade ao dispor de Jesualdo Ferreira são tantas que não permitem que no grupo surjam insubstituíveis. “Esta equipa está colectivamente preparada para não ter insubstituíveis”, diz.
Na verdade, um só homem marcou presença nos 30 jogos que o FC Porto fez esta época: Lisandro Lopez. O argentino não foi sempre titular (saiu nove vezes do banco) e raramente completou um jogo de princípio a fim, o que leva a que seja apenas o oitavo em total de minutos, mas jogou sempre. Algo que pode ver ameaçado em breve, pois já acumulou quatro cartões amarelos e está a apenas um da suspensão. Helton, Lucho Gonzalez, Pepe, Bruno Alves e Quaresma são os outros elementos de quem menos vezes Jesualdo Ferreira abdicou, nalguns casos com resultados caóticos, como a eliminatória da Taça contra o Atlético, onde do sexteto só jogaram Quaresma e Lisandro (este entrou ao intervalo).
Mesmo assim, a maior qualidade do plantel do FC Porto não oferece dúvidas. “Tem excelentes opções, especialmente para o lugar de avançado, que é aquele em que eu reparo mais”, diz o maritimista Lipatin, um dos melhores marcadores da Liga em jogos nos quais saiu do banco, com três golos na condição de suplente utilizado. “Tem o Adriano, o Postiga, o Bruno Moraes e até o Rentería, que não jogou muito, mas que eu conheço bem”, completa. Toni concorda: “salta à vista que é o FC Porto quem tem mais soluções. E para os diversos sectores”. Sobretudo porque, no entender do homem que tão bem conhece o Estádio da Luz, “no Benfica há 14 ou 15 jogadores de grande qualidade, mas depois falta cobertura em algumas posições. Por isso é que, sem o Luisão, o Fernando Santos não usou o David Luiz e fez recuar o Katsouranis, comprometendo o meio-campo”.
Ora o Benfica até é a equipa com mais jogos nas pernas esta época (33, antes do desafio de anteontem, com o PSG) e, de todos os elementos do plantel, só dois alinharam sempre: o guarda-redes Quim e o médio Katsouranis, o que reflecte bem a importância dos dois no equilíbrio da equipa. Algo que pode alargar-se a Simão, que faltou apenas aos primeiros três jogos da época (os dois com o Áustria e a estreia desastrosa na Liga, com o Boavista). “O Simão, sendo um jogador de ataque, impõe-se pela constância do seu rendimento”, diz Toni que, tal como Sousa, aponta o capitão como o jogador mais difícil de substituir no Benfica: “É a mais-valia do plantel. Se ele joga menos, o Benfica ressente-se logo”, diz Sousa.
Ora Simão e Katsouranis também somam já quatro amarelos, pelo que em breve Fernando Santos pode ver-se na contingência de ter de os substituir. Uma dor de cabeça, tal como deverá ser para Paulo Bento o dia em que ficar sem Moutinho, o único jogador do Sporting presente nos 30 jogos que a equipa fez esta época e também ele com quatro amarelos no cadastro. De qualquer modo, para já, Paulo Bento tem de preocupar-se com a falta que vai fazer-lhe Liedson nos jogos com o E. Amadora e o FC Porto, depois de ter sido expulso em Leiria. É que, embora o “Levezinho” só tenha ficado de fora uma vez esta época, tal sucedeu no jogo onde se definiu a sorte do Sporting na Liga dos Campeões: a derrota em Milão, com o Inter. E no Dragão pode resolver-se também a Liga.


FC PORTO
E ainda há terceiras
Se olharmos para o plantel do FC Porto, verificamos que os 25 jogadores já utilizados apresentam não apenas segundas como até terceiras linhas de qualidade inquestionável. Helton tem como sombra o internacional Baía, mas também o titular das “esperanças”, Paulo Ribeiro. Depois, na defesa, há quatro laterais fortes (Bosingwa, Fucile, Cech e Mareque) e talvez a maior carência sejam os duplos dos centrais (Pepe e Bruno Alves), pois só restam João Paulo e Ricardo Costa. A meio-campo, entre os menos utilizados ainda surgem Anderson, Ibson ou Jorginho. Mas é no ataque que a fartura chega a incomodar: se partirmos do princípio que Quaresma, Lisandro e Postiga conquistaram a vaga de titulares, sobra um segundo ataque, com Vieirinha, Adriano e Alan, mais Sokota, Bruno Moraes e Rentería. E Diogo Valente e Sektioui até já foram embora.

BENFICA
Jogadores sem suplente
O plantel do Benfica ombreia com o do FC Porto na formação do onze, mas falta-lhe profundidade. É verdade que nele há duas excelentes alternativas a Quim (Moreira e Moretto, ambos sem um único minuto de jogo esta época), mas depois se falta alguém do quarteto defensivo será um problema. Tal como não confiou no terceiro central (David Luiz) nas Aves, recuando Katsouranis do meio-campo para substituir Luisão, não se sabe o que faria Santos se ficasse sem Nelson (nas suas ausências jogou o já transferido Alcides). Leo tem em Miguelito uma alternativa credível, mas o mesmo já não pode dizer-se do meio-campo, onde, com Nuno Assis suspenso, além dos quatro titulares e de Rui Costa, apenas sobram Paulo Jorge, Beto e João Coimbra. Na frente, as coisas nem estão mal, pois além de Nuno Gomes e Miccoli ainda há Mantorras e Derlei. E Manu e Marco Ferreira para qualquer eventualidade.

SPORTING
Rotatividade facilitou
O Sporting tem jogadores nucleares que, ou nunca faltaram, como Moutinho, ou viram a equipa perder nas suas ausências, como Liedson, que tem em Alecsandro e Bueno dois complementos. Mas a ideia que fica é que, além deles, pouco se nota se joga A ou B: são quase todos miúdos sem grandes oscilações e a quem a rotatividade facilitou a integração. Ter Ricardo não é o mesmo que ter Tiago, mas a equipa nunca perdeu sem o guarda-redes da selecção. Depois, sempre que falta um central, joga Veloso, sem perda de qualidade; e sempre que a baixa é nas laterais, a equipa serve-se da capacidade de Caneira para ocupar as duas faixas e chama, entre Abel e Ronny, o que estiver melhor. Veloso aproveitou as lesões de Custódio para ser o médio-centro mais utilizado, sendo ainda sobra Paredes. E para os outros lugares, há em Pereirinha, Romagnoli, Alves, Farnerud ou Carlos Martins alternativas pouco distantes do valor dos titulares.



Reforços inesperados
No início, todos contavam com eles. Mas lesões graves tiraram Anderson e Rui Costa das opções habituais de Jesualdo Ferreira e Fernando Santos, fazendo com que na soma dos minutos e dos desafios jogados apareçam como segundas linhas. E seguramente que, assim que eles regressarem, os treinadores se apressarão a encontrar-lhes espaço. Rui Costa chegou a ter definido um lugar no vértice mais avançado do losango de meio-campo, mas o sucesso de Simão a partir dali para os seus raides pelas alas já o empurrou, na última vez que regressou ao onze, para a posição de médio esquerdo, onde deve voltar a roubar o lugar a Karagounis. Quanto a Anderson, são muitas as opções ao dispor de Jesualdo: pode sacrificar Paulo Assunção e fazer recuar Meireles, pode tirar o próprio Meireles ou até meter o jovem brasileiro no trio de ataque, com Quaresma e Lisandro. A ver, este mês.




ENTREVISTA
O uruguaio Lipatín forma com o seu compatriota Carlos Bueno a dupla com mais golos feitos depois de começar no banco de suplentes

“Gostava de ter a fome do Bueno”

– Fez os seus últimos três golos depois de começar no banco. Há algum segredo?
– O que me ajuda é condicionar-me àquilo que o treinador quer, é usar de uma forma positiva aquilo que ele me diz, sem criar obstáculos ou barreiras. Claro que todos os jogadores querem entrar de início, mas eu procuro não me aborrecer se isso não suceder.
- Mas encara os jogos da mesma forma, quer entre de início ou seja chamado já para os minutos finais?
- Repare que, como sou um atacante, se eu entro durante um jogo é sinal de que as coisas não estão a correr bem para o Marítimo. São geralmente casos em que precisamos de virar um resultado. E isso favorece-me, pois eu dependo da predisposição atacante dos meus colegas. Se entro de início é diferente, pois o jogo ainda não tem uma direcção definida.
- Nos inúmeros clubes por onde passou já vivera uma situação como esta?
- Já. No México, quando joguei no América, fiz cinco golos depois de sair do banco. E lembro-me de um clássico, contra o Guadalajara, em que entrei aos 82 minutos para o lugar do Zamorano e tive a felicidade de fazer um golo na primeira bola que toquei.
- Você já é mais brasileiro do que uruguaio…
- É. Fui para o Brasil com sete anos.
- Mas digo-lhe isto porque os dois suplentes mais goleadores da Liga são o Bueno e você. Dois uruguaios. É uma característica nacional?
- A garra é uma característica dos uruguaios e é uma virtude muito boa do Bueno. Não tem tido muita sorte, às vezes joga bem e não faz golos, mas dá sempre tudo, com chuva ou com sol. Estimula-me vê-lo jogar. Gostava de ter essa fome de bola que ele mostra.

Publicado em Correio da Manhã, 10/3/2007

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