Pauleta vive em Paris há quatro anos, mas ainda se lhe sentem traços de insularidade, um misto de revolta e humildade facilmente confundível com resignação. Somados a revezes muitas vezes provocados por convicções fortes, que lhe afastam o medo do erro e o empurram para soluções sem retorno, estes dois traços de carácter marcaram a vida de Pauleta desde o dia em que se emancipou.
Esse dia foi 11 de Outubro de 2000. Depois de 18 jogos pela selecção, 14 dos quais como suplente, e de ter desperdiçado a hipótese de brilhar no Europeu’2000 com uma expulsão tonta na festa de qualificação, contra a Hungria (um amarelo por ter chutado a bola depois de o árbitro apitar; outro por fazer um golo com a mão), Pauleta teve direito a um piscar de olhos da fortuna. Uma gripe de João Pinto empurrou-o para a titularidade em Roterdão, contra a Holanda. Portugal ganhou por 2-0 e Pauleta fez um golo num momento de insanidade em que, com o inseparável amigo Figo sozinho frente à baliza e dois adversários pela frente, resolveu desviá-los com o olhar e chutar cruzado para as redes. “A minha primeira ideia era meter a bola no Figo, mas pensei que ele estava fora-de-jogo”, começou por se justificar, com humildade. “Até parece que estavam à espera que eu falhasse para me caírem em cima”, finalizou, com revolta. A coragem de assumir o lance, essa, tê-la-á herdado do pai, avançado do Marítimo de Ponta Delgada, de quem assumiu também o nome de guerra: Pauleta.
Aquele que tem sido, nos últimos anos, um dos maiores veículos de promoção internacional dos Açores – a sua forma peculiar de festejar os golos, de braços abertos, planando, é quase um cartaz turístico – experimentou o Benfica como juvenil. Não ficou, jogou nas camadas jovens do FC Porto, mas quando Inácio quis levá-lo para o Rio Ave, com Bino ou Rui Jorge, seus colegas de juniores, preferiu regressar aos Açores, para jogar no Santa Clara. “A minha ‘escola’ nos Açores foi quase igual à do continente: treinar em campos pelados, das 7 à 9 horas da noite, e levar a roupa para lavar em casa”, dizia, desprezando a importância de se mostrar num grande. Era jovem, tinha espaço para errar. Jogou ainda no Operário e no União Micaelense antes de brilhar no Estoril, ao lado de Cavaco, com quem formou uma dupla que fez furor na II Divisão de Honra. João Alves quis então levá-lo para o Belenenses, mas o negócio gorou-se por 200 mil euros e Pauleta acabou por ir com o mesmo treinador para Salamanca, sem nunca ter experimentado da I Divisão portuguesa. Dois anos depois já valia 1,1 milhões de euros, na passagem para o Corunha. Estava a começar uma ascensão que lhe permitiu superar Eusébio no total de golos pela selecção, ser duas vezes melhor marcador do campeonato francês e ganhar uma Liga espanhola e duas Taças de França.
No último Verão, teve a possibilidade de se transferir para o Lyon. Não foi e, em vez de estar seguro do título francês e a lutar para vencer a Liga dos Campeões, vê-se a braços com mais uma das crises que ciclicamente afectam o PSG. O problema é que o espaço para errar vai diminuindo com o aproximar do final da carreira.
Publicado em Correio da Manhã, 3/3/2007
sábado, 3 de março de 2007
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