Os principais clubes portugueses entraram já na modernidade e apostam na prevenção de lesões antes de ser necessário debelá-las. Conscientes de que a maioria das lesões – as não-traumáticas, pelo menos – são evitáveis através de uma planificação cuidada e da qualidade do trabalho, passaram a ter nas suas equipas técnicas especialistas em metodologia e investem mais nisso do que nos equipamentos destinados a diagnosticar e recuperar os jogadores.
“O segredo do sucesso é a prevenção, a aposta na triologia treino-alimentação-descanso. E não serve de nada fazer bem duas destas coisas e depois falhar noutra. Se um jogador treina bem, faz uma alimentação adequada mas depois gosta de sair à noite, de fazer uma vida desregrada, fica mais susceptível às lesões. E o mesmo sucede se treina bem, se descansa bem, mas come mal”, explica Mariano Barreto, actual treinador da Naval, mas com uma longa carreira como eixo de ligação entre o departamento médico e técnico do Sporting e, depois, como recuperador, acompanhando Paulo Sousa em vários clubes estrangeiros de topo.
Tendo qualidade no trabalho, fica muito mais fácil evitar as lesões. Mas é claro que não é possível erradicá-las. Esta época, por exemplo, o Sporting tem tido pouquíssimas lesões musculares, enquanto a mais mediática lesão sofrida por um jogador do FC Porto, o brasileiro Anderson, foi de cariz traumático. O foco assenta, desta forma, no Benfica, onde as lesões se têm acumulado e ganha maior importância outro aspecto: a qualidade dos diagnósticos. Há Mantorras, cujo médico, o espanhol Ramon Cugat, já revelou que era da opinião de que o angolano devia ter optado pela colocação de um novo menisco, mas que o jogador preferiu a solução de recuperação mais rápida – e de menor possibilidade de sucesso – abrindo assim caminho a uma vida de suplícios: tem que fazer ginásio além da carga normal de trabalho dos colegas e, mesmo assim, nas palavras de Fernando Santos, treinador do clube, “não pode fazer 90 minutos”.
Foi também Fernando Santos quem abriu o debate em torno de Miccoli, dizendo que o italiano tem propensão para engordar e que a estrutura muscular não aguenta o excesso de peso. O jogador não gostou de ver debatida a sua camada adiposa, mas a verdade é que desde o início da época está a fazer trabalho específico de fortalecimento muscular e virado para a perda de peso, tendo por isso mesmo sido o único elemento a falhar, por exemplo, a deslocação ao Dubai, em Janeiro.
E há, obviamente, o caso Rui Costa, cuja paragem prolongada se deveu à incapacidade de descobrir uma rotura muscular gigantesca numa ecografia. “Um diagnóstico errado pode deitar por terra todo o trabalho feito”, considera Mariano Barreto, que se prepara para voltar a dar tempo de jogo a um dos jogadores mais sacrificados pelas lesões da história do futebol português: o médio Delfim. Após vários problemas nos joelhos, no Olympique Marselha provocaram-lhe uma lesão grave na coluna vertebral por erro de diagnóstico: teve de colocar quatro parafusos na coluna, correu riscos de ser atirado para uma cadeira de rodas para toda a vida mas voltará a jogar.
Seguro obrigatório
Embora fiquem prejudicados do ponto de vista desportivo, por não poderem contar com os jogadores, os clubes não perdem nada financeiramente por causa de uma lesão grave, pois a inscrição de um futebolista na Liga só pode ser feita mediante a apresentação de um certificado de seguro desportivo, com cobertura de doença e invalidez profissional, bem como de um certificado de seguro de acidentes de trabalho. O facto motivou mesmo alguns problemas, por exemplo, no caso de Mantorras: o Benfica teve de esforçar-se para convencer a seguradora de que o angolano ainda podia jogar ao mais alto nível.
Os mais sujeitos a lesões traumáticas
Todo o trabalho de prevenção para evitar lesões é válido sobretudo em questões musculares, uma vez que as lesões traumáticas, nascidas em choques com adversários, não dependem do treino mas sim da forma como se joga. “Um jogador ofensivo, que privilegia o drible, que gosta de atacar o defesa, está muito mais sujeito a elas do que um defesa ou um médio daqueles que recebe a bola e a passa logo. Tal como corre mais riscos um avançado, que joga na área, mesmo que seja só para concluir, pois aí há menos espaços, as marcações são mais pressionantes e há uma maior propensão para o choque”, explica Mariano Barreto.
Contudo, há sempre excepções a confirmar a regra. Fruto de uma agilidade acima da média, de uma capacidade invulgar de fugir ao toque, o homem com mais jogos em toda a história do campeonato português, o avançado Manuel Fernandes, raramente se lesionava. Ao todo fez 485 partidas no campeonato e, em doze anos de Sporting, falhou apenas 34 partidas. Nem todas por lesão, obviamente, o que mais contribui para estabelecer o contraste, por exemplo, com o seu parceiro habitual de ataque, Rui Jordão. Em nove anos de Alvalade, nos quais sofreu duas lesões gravíssimas, o angolano teve de falhar 63 jogos de campeonato.
Jogadores preferem recuperador de confiança
Poucos clubes escolhem investir em material de diagnóstico e recuperação, sobretudo porque ele é caríssimo e raras vezes utilizado, porque nessas alturas é sempre possível recorrer a clínicas privadas e especializadas, mas também porque alguns jogadores optam depois por fazer a recuperação com quem conhecem bem. Mariano Barreto andou pela Europa quase como treinador-privado de Paulo Sousa depois de o jogador ter tido problemas na Juventus e isso ainda lhe permitiu jogar mais uns anos. E é sabido, por exemplo, que António Gaspar, ex-fisioterapeuta do Benfica, actualmente na selecção nacional, continua a acompanhar vários profissionais de clubes da Liga. Porquê? Porque a recuperação fica facilitada se for feita por alguém em quem o jogador confia inteiramente. E, além do mais, em caso de erro de diagnóstico – como foi o caso de Rui Costa, este ano – a culpa pode sempre morrer solteira.
ENFERMARIA F.C.
Pedro
Paços de Ferreira
Ainda não se estreou esta época e já sabe que não o fará, pois o regresso ao activo não acontecerá antes do Verão. Merece o prémio do azar pelo aspecto caricatural do que foi a sua época: começou por fazer uma rotura de ligamentos, da qual recuperou, mas apenas fracturar a rótula do joelho esquerdo. Numa visita ao centro médico, para apreciar a cicatrização, escorregou e teve de voltar a ser operado. Um ano para esquecer.
Tambussi
Boavista
Pisou mal a relva, nos primeiros minutos do jogo com o Marítimo, a 12 de Janeiro, e fez uma rotura do ligamento cruzado anterior do joelho direito, que o deve manter de fora entre “seis e oito meses”. Mas já na pré-época se tinha lesionado na face, o que o obrigou a jogar de máscara. Mais tarde, a 29 de Agosto, num treino, fez uma fissura no primeiro dedo do pé direito, que o levou a mais três semanas de paragem.
Pedro Emanuel
FC Porto
Outro que vai passar pela época sem jogar. A 12 de Agosto, no aquecimento para o jogo particular com o Manchester City, sofreu uma rotura total do tendão de aquiles do pé esquerdo. Quando parecia estar na fase final da recuperação começou a sentir dores e teve de voltar a ser operado, para debelar uma necrose parcial do tendão afectado. Vai passar o resto do campeonato em tratamento, para poder regressar em 2007/08.
Hugo
V. Setúbal
Começou por fazer uma distensão no adutor da perna direita, em jogo da Taça UEFA, com o Hereenveen, a 28 de Setembro. Regressou à competição já em Novembro mas, ao segundo jogo, frente ao Braga, no dia 27, fez uma entorse no joelho esquerdo que o afastou até ao Ano Novo. Ainda realizou mais um par de jogos até que, num treino, fez ontem uma semana, fracturou o menisco do joelho esquerdo. Talvez volte antes do fim da época.
Adalto
V. Setúbal
Regressou à competição no sábado passado, frente ao Boavista, cinco meses depois do último jogo, precisamente com o mesmo adversário. Tudo por causa de uma pubalgia que começou por o incomodar e que, por não estar a evoluir de forma satisfatória com repouso a que foi submetido, acabou por levá-lo a uma intervenção cirúrgica, já o mês de Outubro ia avançado.
Madrid
Sp. Braga
Em clima de euforia pela vitória contra o Benfica, dois dias antes, começou por fazer uma entorse na tibiotársica, a 20 de Novembro, e ficou de fora por mais de um mês. Em Janeiro, ainda foi a tempo de alinhar na dupla ronda da Taça, mas antes do regresso do campeonato, quando se falava numa transferência para o FC Porto, fez uma microrrotura muscular que está a revelar-se de difícil resolução.
Rui Costa
Benfica
Na estreia oficial pelo clube, na Luz contra o Áustria de Viena, contraiu uma rotura muscular de quatro milímetros. Saiu e parou quinze dias, até ao primeiro jogo do Benfica na Liga, no qual se ressentiu. Foi-lhe diagnosticado um edema e, três semanas depois, quando se julgava que o problema estava debelado, voltou a jogar. Agravou o que afinal era uma rotura muscular na coxa direita e teve de parar mais três meses. No domingo, teve de sair do confronto com o Nacional, mas a microrrotura na coxa direita não tem nada a ver com a lesão anterior e não o deve obrigar a muito mais que duas semanas de paragem.
Anderson
FC Porto
Um choque com o grego Katsouranis, no FC Porto-Benfica de 28 de Outubro, fracturou-lhe o perónio da perna direita e afectou-lhe alguns ligamentos na zona do tornozelo. Foi operado dois dias depois e os médicos avançaram com um período de paragem nunca inferior a três meses. E, três meses depois, no final de Janeiro, começou a trabalhar no ginásio. Segue-se o regresso aos relvados e espera-se que em Março volte a jogar.
Maciel
Sp. Braga
Lesionou-se logo num dos primeiros lances da deslocação a Setúbal, a 27 de Novembro. Fez um traumatismo do joelho direito e passou a treinar condicionado. A 14 de Dezembro, jogou com o Grasshopper e, apesar de ainda ser convocado para o jogo seguinte, percebeu que não estava bem. Teve de ser operado ao menisco antes do Natal e só na semana passada reiniciou a preparação no relvado.
Miccoli
Benfica
Tudo começou no excesso de peso: veio de férias e foi-lhe dado um plano de treinos específico para perder peso. Entrou em competição a 17 de Setembro e por lá esteve até 6 de Dezembro, quando fez uma microrrotura na coxa esquerda. Parou, voltou ao treino específico e defrontou a Académica, a 15 de Janeiro, mas só para se queixar de uma tendinite no joelho esquerdo que o afastou por mais três semanas. E já está de volta.
Hélder Barbosa
Académica
Emprestado pelo FC Porto, lesionou-se a 24 de Novembro, num choque durante um jogo-treino com o Pampilhosa. A rotura no tendão rotuliano da perna esquerda levou-o à mesa de operações e deve mantê-lo afastado da competição. Está a recuperar no centro de estágio portista, mas há a expectativa de, com sorte, poder alinhar nos últimos dois jogos da época, após um período de cinco meses de afastamento.
Outros candidatos ao onze
A selecção que se vê abaixo foi formada, posição a posição, pelos jogadores cujas lesões foram, ao mesmo tempo, mais duradouras e mediáticas. Outros podiam integrá-la, como Roma (Beira-Mar), Diakité (Beira-Mar), Fernando (Belenenses), Amaral (Belenenses) ou Mário Silva (Boavista). Ficam no banco.
Publicado em Correio da Manhã, 24/2/2007
sexta-feira, 2 de março de 2007
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