quarta-feira, 14 de março de 2007

Justiça desportiva e suspeição

Há pouco mais de um ano, Liedson teve frio e resolveu treinar de calças de fato de treino, mesmo sabendo que Paulo Bento disso o proibia. Julgou-se mais importante que o grupo, colocou em causa a autoridade do treinador e este castigou-o: foi ao Dragão sem o seu melhor jogador e esteve muito perto de ganhar um jogo que acabou empatado. No último fim-de-semana, frustrado por ter sido derrubado por um adversário quando tentava ganhar a melhor posição para corresponder a um previsível cruzamento da esquerda, Liedson deu-lhe um safanão com a sola da bota nas costas e foi expulso. Arrisca falhar novo jogo no Dragão e abre um caso que vai devolver o clima geral de suspeição ao futebol português.
E esse clima justifica-se plenamente, sobretudo pela forma arcaica como é administrada a justiça desportiva. Eu sei o que se passou, porque vi várias repetições do lance, de ângulos variados, em velocidade normal e em “slow motion”. Os juízes que vão aplicar a pena, certamente, viram o mesmo que eu e que qualquer um dos leitores. Contudo, na altura de decidir, devem esquecer tudo o que sabem e viram e basear a decisão no que escreveu o árbitro que, por sinal, nem viu mas ouviu contar – ao seu auxiliar. E se isto em si já é ridículo – compreender-se-ia como forma derradeira de tentar salvar a arbitrariedade decisória da evolução inevitável que há-de vir, mas não mais do que isso – o que dizer então da forma como o castigo é aplicado? Um paraíso para os amantes das estéreis discussões semânticas.
Se o árbitro escrever que o prevaricador “pôs em causa a integridade física” do adversário, este leva um jogo de castigo. Se optar pela formulação “agrediu o adversário”, pois serão dois jogos. Se, finalmente, disser que ele foi culpado “de conduta violenta”, a pena sobe ao trio de partidas. Escrevo antes da reunião da Comissão Disciplinar, mas como Paulo Costa optou pela versão intermédia, à hora a que me lêem já devem estar os dois jogos atribuídos. Pois eu, que pelos vistos sei pouco de português e que das poucas vezes que entrei no mundo à parte que existe para lá das portas de um tribunal me sentia como se tivesse acabado de entrar numa fita do M. Hulot, achava que quem agride um adversário não só está a pôr-lhe em causa a integridade física como está a incorrer em conduta violenta. Por isso, não sou capaz de distinguir as três situações e só dou graças a Deus por não ter que formar a minha opinião seguindo o código disciplinar da Liga.
Para o fazer, uso o bom-senso. E, embora reconheça razão ao Sporting num ponto – no lance devia ter tido direito a uma grande penalidade –, se Liedson ficar de fora no Dragão está a fazer-se justiça. Porque de acordo com o bom-senso, é mais grave pontapear as costas de um adversário do que treinar de calças de fato-de-treino numa manhã fria de Alcochete. As pessoas é que acham que quem não come porque não quer não passa fome – está de dieta.

Publicado em Sábado, 8/3/2007

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