sábado, 3 de março de 2007

A motivação do Bicho

No dia em que teve pela primeira vez o FC Porto como adversário, na sequência do Verão Quente de 1980, que ditou o afastamento de Pedroto e de vários jogadores e o levou a escolher o cargo de treinador-jogador do Penafiel como alternativa, António Oliveira mostrou-se como é na verdade. Rapou o bigode, fez meia dúzia de afirmações polémicas e levou com ele para as Antas o entretanto falecido “parapsicólogo” Lesaghi Zandinga. Antes do jogo, Zandinga fez questão de ser visto a esgravatar atrás de uma baliza e, talvez afectado pelo incidente, Fonseca foi uma sombra do guardião seguro que vinha sendo nessa época: já na segunda parte, sofreu dois golos nessa mesma baliza (um deles marcado pelo próprio Oliveira) e o jogo acabou empatado. Numa altura em que era raro os grandes desbaratarem assim pontos, foi um regresso memorável.
A história entrou para o folclore do futebol português, mas hoje não vem ao caso pela sua componente mística. Na perspectiva do FC Porto-Sp. Braga, que servirá para assinalar o regresso ao Dragão de Jorge Costa como adversário do clube que capitaneou durante tantos anos, o que importa é lembrar as razões pelas quais Oliveira levou Zandinga com ele: é que conhecia muito bem os ex-colegas, sabia que Fonseca tinha pavor de feitiços e conseguiu afectá-lo com um truque que não estava ao alcance de quem não tivesse com ele partilhado um balneário. É essa a grande vantagem de alguém que regressa a uma casa onde já foi personagem principal e que, além de Oliveira, outros têm aproveitado. Manuel Fernandes, por exemplo, perdeu por 4-3 na primeira vez que dirigiu uma equipa contra o Sporting que tantas vezes capitaneara, mas ganhou a segunda e fez sempre golos nos oito primeiros jogos. Oliveira não perdeu nenhum dos primeiros quatro jogos contra os “Dragões”. E ainda que se tenha estreado a perder por 5-0 contra o Benfica, Humberto Coelho, cuja experiência como treinador é mais limitada, levou o Salgueiros a um empate na primeira vez que recebeu o ex-clube e contribuiu para que os “encarnados” de Lisboa perdessem na recta final o título nacional de 1985/86
Jorge Costa já sabe o que é jogar contra o FC Porto: pelo Marítimo, quando ainda andava emprestado, até ganhou no Funchal (1-0) e fez um autogolo na derrota (1-3) nas Antas. Conhece os dois lados da história, mas como na altura ainda era muito jovem e não ascendera ao estatuto de símbolo do clube, não saberá o que vai sentir quando entrar no relvado e se encaminhar para o banco “dos outros”. Embora ainda seja cedo para se dizer se há ou não um Sp. Braga à Jorge Costa, os dois jogos que o ex-capitão portista leva à frente dos minhotos tiveram a sua marca, com vitórias em sofrimento contra o Parma e o E. Amadora, conseguidas nos instantes finais das partidas. Hoje, no Dragão, a essa capacidade para nunca desistir, o treinador bracarense juntará uma vontade enorme de brilhar contra os que tantas vezes o aplaudiram. Veremos se é suficiente para voltar a reabrir o campeonato.

O REGRESSO DOS CAPITÃES
António Oliveira contra o FC Porto
1980/81 FC Porto 2, Penafiel 2 a)
1980/81 Penafiel 0, FC Porto 0 a)
1982/83 FC Porto 0, Sporting 0 a)
1982/83 Sporting 3, FC Porto 3 a)
1985/86 FC Porto 4, Marítimo 2
1985/86 Marítimo 1, FC Porto 1
1987/88 V. Guimarães 0, FC Porto 0
1887/88 Académica 0, FC Porto 1
1988/89 FC Porto 1, Académica 0 b)
1991/92 FC Porto 1, Gil Vicente 0
1991/92 Gil Vicente 1, FC Porto 0
1993/94 Sp. Braga 0, FC Porto 2
1993/94 FC Porto 5, Sp. Braga 0
Balanço: 13 jogos, 1 vitória, 6 empates e 6 derrotas

Manuel Fernandes contra o Sporting
1988/89 Sporting 4, V. Setúbal 3
1988/89 V. Setúbal 1, Sporting 0
1989/90 V. Setúbal 1, Sporting 1
1990/91 E. Amadora 1, Sporting 2
1995/96 Sporting 7, Campomaiorense 1
1996/97 Sporting 2, V. Setúbal 1
1999/00 Santa Clara 2, Sporting 2
1999/00 Sporting 4, Santa Clara 1
2001/02 Sporting 0, Santa Clara 0
2001/02 Santa Clara 0, Sporting 3
2002/03 Sporting 2, Santa Clara 1
Balanço: 11 jogos, 1 vitória, 3 empates e 7 derrotas

Humberto Coelho contra o Benfica
1985/86 Benfica 5, Salgueiros 0
1985/86 Salgueiros 1, Benfica 1
1986/87 Benfica 2, Sp. Braga 1
Balanço: 3 jogos, 1 empate e 2 derrotas

a) Como treinador-jogador
b) Jogo da Taça de Portugal


DÚVIDAS LEGÍTIMAS
Porque se desliga o Sporting?
Depende. Contra o Aves, porque achava que as coisas acabariam sempre por correr bem, mesmo que não houvesse muito esforço. Contra a Académica, porque deixou o jogo esticar, ficou com as linhas muito afastadas e não só perdeu segurança na posse como deixou de ter rigor na defesa zonal. A inexperiência tem um preço.

Quem deve substituir Luisão?
David Luiz. Não porque Katsouranis não possa fazer bem a posição de central ou porque o brasileiro seja um craque, mas porque as desmarcações laterais de Katsouranis no meio-campo conferem amplitude ao jogo da equipa. Se, apesar disso, não jogar hoje, David Luiz fica a saber que não conta mesmo para Santos.

O que se passa com Postiga?
Se os momentos de plenitude goleadora têm sobretudo a ver com confiança e qualidade de trabalho, as “secas” devem ser atribuídas às razões inversas. Postiga parece hesitante em cada lance de área e, pela forma desastrada como tem feito algumas conclusões, deixa a ideia de que pode estar a trabalhar mal a finalização.


PÉ DE PÁGINA
CLARIVIDENTE. João Moutinho, já se sabe, tem uma cabeça de veterano num corpo de jovem esperança. É um jogador fantástico, que sabe de cor os terrenos que pisa, que liga uma equipa com o seu futebol de toque e sprint constante, que luta até não poder mais (e pode muito, como se vê na série de jogos consecutivos que leva feita pelos leões) e que empresta à equipa onde joga uma clarividência táctica muito acima da média.

ASSISTÊNCIA I. Tal como já tinha feito contra o V. Setúbal, na penúltima vez que o Sporting tivera pela frente um esquema de três defesas, cedo Moutinho compreendeu que havia ali um espaço a explorar: aos quatro minutos, a equipa variou rapidamente o jogo da direita para a esquerda, Moutinho conferiu-lhe profundidade nesse lado, apareceu nas costas do ala direito adversário e cruzou para um golo de Liedson.

ASSISTÊNCIA II. Na quarta-feira, a Académica voltou aos três defesas. E, aos quatro minutos, a história repetiu-se. Desta vez, Moutinho apareceu nas costas do ala esquerdo e voltou a cruzar para um golo de Liedson. Há muitas formas de alargar o 4x4x2 com meio-campo em losango: o Benfica faz Simão partir de uma zona central, o Sporting adianta Moutinho. Por isso, ambos são imprescindíveis.

Publicado em Record Dez, 3/3/2007

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