sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Agentes de mercado moldam o futebol

Ainda está quente, porque só recentemente foi concluído, o estudo encomendado pela FIFA ao Centro Internacional de Estudos do Desporto, da Universidade de Franche-Comté, onde se estabelece uma ligação óbvia entre a proliferação de agentes de jogadores e o incremento da actividade de mercado. Diz aquele estudo, que se debruçou somente sobre as cinco Ligas mais importantes da Europa (Itália, França, Espanha, Inglaterra e Alemanha), que os jogadores que mais frequentemente trocam de clube são os italianos: em média, a cada dois anos e três meses, cada italiano veste uma nova camisola, quando o normal nos outros países é estarem pelo menos três anos e meio no mesmo sítio. Tudo normal: Itália é também o país com mais agentes FIFA credenciados em todo o Mundo (380).
Daqui se conclui que, mais do que “tomar conta dos interesses de um clube” ou “representar um jogador” numa negociação, como se lê no Regulamento da FIFA para agentes de jogadores, os agentes estão a comandar as operações. A razão é simples – o futuro do negócio depende da realização de mais e mais transferências, do surgimento de mais-valias que permitam aos clubes equilibrar orçamentos e aos jogadores melhorar vencimentos. E, por inerência, aos agentes enriquecer rapidamente. “As renovações com os jovens são óptimas, mas se o jogador quiser muito sair antes do final do contrato, há poucas formas de o contrariar”, disse recentemente ao Sport um dirigente do Sporting. há uma: manter boa relação com o agente que lhe gere os interesses e, sobretudo, insinuar-lhe que o negócio pode ser melhor no futuro. Seduzi-lo. Porque o agente, muitas vezes, decide o que o jogador vai fazer. Foi o caso, por exemplo, de Jorge Mendes com Cristiano Ronaldo: “escolhi o Barcelona porque Ferguson garantiu que ele ia fazer apenas metade dos jogos na primeira época”, disse Mendes. Mas já não aconteceu o mesmo com Quaresma, a quem o empresário desaconselhou o Barcelona, tentando encaminhá-lo para o Corunha. Sem sucesso.
Pode até haver casos em que os agentes trabalham graciosamente. É o que José Veiga garante que fez com João Pinto na passagem deste do Benfica para o Sporting. Mas a norma não é essa. Regra geral, os agentes dividem-se em dois tipos – os que cobram ao jogador pela gestão de carreira e os que não o fazem mas depois recebem percentagens nas transferências. Jorge Mendes, o homem que já esteve aliado a Barbosa contra Veiga mas que actualmente domina o mercado nacional, prefere cobrar nas transferências. E ainda recentemente, numa das suas raras entrevistas, revelou que parte dos seus agenciados dão prejuízo e não lucro – os que jogam nas divisões secundárias e aos quais há que arranjar clube; os jovens que é preciso acompanhar na expectativa de um dia virem a ser grandes craques. Os valores a pagar dependem sempre dos contratos particulares, mas rondam os 5 por cento do salário ou os 10 por cento nas transacções.
Daí que uma das tarefas fundamentais de um agente seja a prospecção, a descoberta de talentos nos quais, numa primeira fase, é preciso investir. Há casos de agentes que vão buscar uma “camionete” de jogadores a África e depois, no início de cada época, correm os clubes a tentar encontrar-lhes treinos à experiência. Não os colocam todos, mas uma taxa de sucesso acima dos 50 por cento já dá lucro. E há a busca de jovens talentos. Os primeiros anos de um jovem jogador dão prejuízo ao agente que nele pega, que muitas vezes precisa de o vestir, de lhe comprar material, às vezes até de o alimentar... Depois, nem todos os jogadores rendem milhões, mas é certo que os que dão chegam bem para pagar o investimento feito.
Claro que, do lado do jogador também há interesses – a importância do agente numa futura transferência está tão valorizada que muitos rompem com quem os representa na tentativa de encontrar um futuro mais radioso. Jorge Ribeiro e Maniche, por exemplo, trocaram Paulo Barbosa por Mendes e entraram no carrossel da Gestifute, em direcção a Moscovo. Tiago e Ricardo Rocha fizeram o mesmo, abandonando Veiga e assinando com a empresa de Mendes. Mas se o primeiro já se transferiu duas vezes (Chelsea e Lyon), o segundo continua no Benfica. Ana Almeida, a única mulher entre os 33 agentes FIFA credenciados em Portugal, acusa Jorge Mendes de processos pouco claros para lhe “roubar” o sportinguista Nani, previsivelmente um dos negócios de milhões que se apresentam para os próximos anos. Mendes nega tudo e o caso está em tribunal, mas nada o impedirá de conduzir mais esse negócio.



OS CINCO MAIORES DO MUNDO
Jorge Mendes
Português
É o dominador do mercado português e, graças aos resultados desportivos dos seus agenciados nos últimos anos, tem ficado sempre no topo da lista dos ganhos. A Gestifute, que lidera, já fez grandes negócios (veja caixa nestas páginas e some-lhe Jorge Andrade ou Hugo Viana) e tem mais preparados para o futuro. Ou não tivesse em carteira jogadores como Cristiano Ronaldo, Deco, Lucho González, Hélder Postiga, Nani, Pepe, Quaresma e Simão. Entre muitos outros.

Tony Stephens
Inglês
Conseguiu grandes contratos a Michael Owen, David Beckham ou Alan Shearer e tem em Steven Gerrard a carta de trunfo para os anos mais próximos. Antes de começar a trabalhar como agente, com David Platt – passou a negociar-lhe os patrocínios no final dos anos 80 – foi comentador de rádio, vendedor de computadores, director comercial do Aston Villa e director de marketing do Estádio de Wembley. Aos 58 anos, é multi-milionário e há anos que fala em reformar-se e deixar a SFX.

Vincenzo Morabito
Italiano
A explosão da GEA, de Alessandro Moggi, permitiu a este italiano assumir-se como dominador do mercado do seu país através da milanesa Promosport, que gere a meias com Cláudio Vigorelli. Como é poliglota, alargou o leque de actividades e é ainda director da inglesa First Artist. Representa jogadores de várias nacionalidades, como o francês Mavuba, o holandês Huntelaar, o sueco Ljungberg, o checo Chech ou o italiano Abbiatti. E neste momento trabalha em proximidade com a Lazio e o Inter Milão.

Wagner Ribeiro
Brasileiro
No Brasil, o domínio tem a ver com o sabor da época. E ao período de ascendente do Santos e do futebol paulista em geral correspondeu a subida deste polémico agente ao topo da tabela. Trouxe para a Europa jogadores como Robinho ou Kaká (que entretanto já dispensou os seus serviços, passando a ser representado pelo pai), movimentando cerca de 40 milhões de euros, bem como o treinador Vanderlei Luxemburgo. E já tem o lateral Ilsinho (fala-se no Milan e Ribeiro confirma) preparado para dar o salto.

Ginés Carvajal
Espanhol
Representa a fina flor do futebol espanhol, de Morientes a Raul, com passagem por Casillas, Canizares, Michel Salgado ou Mendieta. E já assegurou descendência para os seus negócios, pois a filha, Arantxa Carvajal Fernández, passou no último exame espanhol e entrou para o leque restrito de agentes FIFA. Só não foi a mulher com melhor nota porque à frente dela ainda se classificou uma tal Núria Bermúdez, essa mesmo, a ex-namorada de Cristiano Ronaldo.



O que é preciso para ser agente FIFA
Qualquer pessoa (mas não um clube ou uma empresa) pode tornar-se agente FIFA e intermediar transferências de jogadores. Primeiro, no entanto, deve ter uma licença passada pela Federação do país onde reside. As licenças são passadas após o candidato ser aprovado num exame escrito e subscrever uma apólice de seguro consentânea com o seu rendimento – destinada a cobrir quaisquer despesas originadas por queixas de clubes, jogadores ou outros agentes – ou conseguir uma garantia bancária de 100 mil francos suíços (cerca de 62 mil euros). As licenças são pessoais, intransmissíveis e vitalícias, mas podem ser apreendidas se o agente não cumprir os regulamentos da FIFA.



Três fases no mercado português
Manuel Barbosa foi o primeiro empresário de jogadores – na altura dizia-se assim – do futebol português. Começou como agente de viagens, a organizar estágios de equipas estrangeiras, e num ápice era responsável por negócios de milhões. Depois, a uma fase de mercado dividido, sucedeu-se o auge de José Veiga, primeiro a trabalhar mais com o FC Porto, depois com quem ousasse fazer frente a Pinto da Costa. Esta obsessão, no entanto, custou-lhe a confiança de alguns dos melhores jogadores, que se passaram para Jorge Mendes e fizeram deste o dominador absoluto.



Carrossel milionário
Jorge Mendes deu um novo significado às teorias em que Keynes defendia que todo o investimento é bom para a economia. Em 2004, muito graças às vitórias do FC Porto na Taça UEFA e na Liga dos Campeões, o patrão da Gestifute deu início a um carrossel milionário envolvendo três clubes compradores e, muitas vezes, os mesmos futebolistas, que saltam daqui para ali e depois para acolá. Em dois anos e meio, este carrossel já movimentou mais de 150 milhões de euros – se aplicarmos a estas transacções a regra dos 10 por cento, a organização de Mendes terá facturado, só com estes negócios, 15 milhões.
Tudo começou com o Chelsea, em 2004. Mourinho foi o escolhido de Abramovich para liderar o projecto e, com ele, Mendes levou para Londres mais quatro jogadores: Nuno Morais, por valores não revelados mas seguramente marginais, Tiago, por 15 milhões de euros, Paulo Ferreira, por 20 milhões, e Ricardo Carvalho, por 30 milhões. Tudo somado aos 2,5 milhões que o FC Porto exigiu para libertar o seu treinador permitiu a Mendes alcançar o topo das listas Mundiais, com 67,5 milhões de euros saídos da carteira de Abramovich.
Em 2005, o principal parceiro negocial de Mendes foi outro russo, desta vez Aleksei Fedorychev, recém-nomeado patrão do Dynamo Moscovo. O Dynamo recrutou 12 jogadores em Portugal e, de todos, só um – o nigeriano Enakarhire – não era representado pela Gestifute. Com as compras de Maniche (16 milhões), Seitaridis (10 milhões), Derlei (8 milhões), Costinha (4 milhões), Nuno (2,5 milhões), Cícero (2,5 milhões), Danny (2 milhões), Luís Loureiro (1,5 milhões), Frechaut (700 mil), Thiago (valor não divulgado) e Jorge Ribeiro (livre, em litígio com o Gil Vicente), Mendes trouxe mais 47 milhões de euros para Portugal. Parte dos quais, para os cofres da sua empresa.
No último Verão, sem russos, foi a vez dos espanhóis do Atlético de Madrid, onde os gastos têm de ser mais cautelosos, mas onde a Gestifute colocou Maniche (mais 9 milhões, depois de um empréstimo ao… Chelsea), Seitaridis (mais 6 milhões), Costinha (mais um milhão), além de Zé Castro (um milhão pela primeira volta no carrossel).

Publicado em Correio da Manhã, 13/1/2007

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