Nos primeiros tempos como treinador do FC Porto, José Mourinho teve um teste difícil à sua capacidade motivadora. Jogava em casa com o Benfica, tinha estado a perder, sofrera para chegar ao empate e, a 13 minutos do intervalo, viu a sua equipa reduzida a dez homens, por expulsão de Jorge Costa. Ao intervalo, reuniu os jogadores e disse-lhes duas coisas: “a primeira, que íamos ganhar; a segunda, que eles não iam atacar”. A segunda parte mostrou um FC Porto na mó de cima, embora o golo da vitória tenha sido obtido um minuto depois de o Benfica também ficar apenas com dez jogadores, por expulsão de Éder.
O treinador mais bem pago do Mundo, agora no Chelsea, não crê, contudo, num segredo para ganhar com dez. “O que fazer numa situação dessas depende sempre das circunstâncias, mas creio que o treino e o facto de os jogadores se sentirem mentalmente confortáveis em campo, por saberem o que estão a fazer, será sempre uma grande ajuda”, disse esta semana José Mourinho ao Correio Sport. “Depois, é preciso fazer sentir aos jogadores que com dez podemos ganhar”, prossegue Mourinho, que no entanto não deixa de salientar que o normal é suceder o contrário. “Muito honestamente, se o adversário souber jogar contra dez, deverá ganhar”, afirma. Depreende-se que, nesse caso, o Benfica de Jesualdo Ferreira – actual treinador portista – não soube fazê-lo, pois ainda esteve mais de meia-hora com uma unidade a mais.
A normalidade, de facto, é que uma equipa penalizada por uma expulsão comprometa seriamente as suas aspirações. Esta época, na SuperLiga, em 16 jornadas, só uma equipa conseguiu melhorar o resultado depois de se ver em inferioridade numérica: foi a Naval, ainda treinada por Rogério Gonçalves, na visita à Académica. Aos 53 minutos de jogo, os de Coimbra venciam por 1-0 quando o defesa-central figueirense Fernando foi expulso. Rogério Gonçalves não mudou muita coisa na equipa – recuou o médio Orestes para auxiliar Paulão no centro da defesa, pediu a Gilmar e Pedro Santos que segurassem o meio-campo e exigiu mais esforço aos dois extremos, Fajardo e Lito. Partindo de posições mais recuadas, Lito aproveitou o espaço que a Académica não soube preencher e, à base do contra-ataque, foi fundamental na viragem do resultado, conseguida em menos de 15 minutos: marcou ele mesmo o golo do empate e assistiu Nei para o 2-1 final.
“Recordo-me que nem fiz alterações a seguir à expulsão. O Orestes recuou e passou a ter uma posição mais fixa, mas não precisámos de mudar mais nada”, diz Rogério Gonçalves, que entretanto já deixou a Naval para se ocupar do Sp. Braga. “Eu até costumo dizer que, nas minhas equipas, o expulso é sempre o mesmo: é aquele que nós quisermos”, prossegue o treinador. E explica: “Estas situações estão previstas e são sempre objecto de treino prévio. As soluções estão definidas e, se ficarmos em inferioridade, a equipa sabe sempre como reagir, como se reorganizar. Nem é preciso dizer-lhes nada, basta fazer algumas correcções pontuais”, sintetiza ainda Rogério Gonçalves, cuja maior proeza neste âmbito até foi cometida quando ainda orientava o Varzim, na II Liga: no terreno do Estoril, que acabou por ser campeão, os poveiros viraram o jogo de 1-2 para 3-2 com nove homens em campo e só nos instantes finais cederam o definitivo 3-3.
Tal como Rogério Gonçalves, José Mourinho também treina este tipo de situações. “É claro que é possível e até desejável treinar para isto. Afinal, trata-se de um sistema táctico novo, com apenas nove jogadores de campo. E os jogadores têm que saber o que fazer em campo, como devem posicionar-se, como é possível ultrapassar a desvantagem numérica”, considera o treinador do Chelsea. Mas o treino é só a base. Porque, no fim, para se ganhar com dez, são necessários outros argumentos. “Os jogadores têm de ter coragem e acreditar que vão ganhar”, diz Mourinho. “Precisam de mais pensamento táctico e de acreditar que é possível”, junta Rogério Gonçalves. No fundo, o segredo é só este – acreditar.
TEXTO SECUNDÁRIO
Benfica invulnerável
à inferioridade numérica
Apesar de ser, entre os três grandes, o menos habituado a situações de inferioridade numérica, o Benfica tem sido, de todos, aquele que melhor joga com dez homens. Nos últimos cinco anos, nunca os “encarnados” perderam pontos em resultado de expulsões – bem pelo contrário, são bons a recuperar com dez e assentaram nesta característica uma das armas do título conquistado em 2005.
Ao todo, desde o início da época 2002/03, o Benfica esteve 18 vezes em inferioridade numérica, num total de 331 minutos, mas só em três delas houve alteração na distribuição de pontos. E em todas a equipa da Luz saiu beneficiada – começou por empatar, já nos descontos, um jogo em casa com a Académica depois de ver Fehér ser expulso; repetiu a graça em Barcelos, marcando o golo do empate, por Simão, igualmente nos descontos, quando estava com menos um, por expulsão de Fyssas; e marcou o golo da vitória caseira contra o Estoril depois de se ver reduzida a dez homens ainda na primeira parte, por expulsão de Manuel Fernandes.
O FC Porto, que é dos três quem, nestes últimos cinco anos, passou mais tempo em inferioridade numérica (502 minutos), também teve uma recuperação épica: foi no ano passado, em jogo da Taça, na Madeira, contra o Marítimo, que ganhou já no prolongamento, depois da expulsão de Pepe, na abertura da segunda parte. Em contrapartida, perdeu quatro jogos em inferioridade numérica, entre os quais uma final da Taça de Portugal, também no prolongamento, contra o Benfica, depois de ver Jorge Costa ser expulso a 20 minutos do fim dos 90 minutos regulamentares. Neste caso, e ao contrário do que sucedeu no jogo de campeonato da época anterior, o Benfica de Camacho soube frustrar as intenções de Mourinho
O Sporting, por sua vez, é o pior dos três a jogar com dez. Nos últimos cinco anos, em 412 minutos de inferioridade numérica, só melhorou um resultado: foi em Barcelos, contra o Gil Vicente, após expulsão de Rui Jorge (passou de 0-1 para 1-1). E, de todos, foi o único que viu uma vitória transformar-se em derrota por causa dos cartões vermelhos: na vista ao Bessa, em 2003/04, ainda ganhava quando Rui Jorge foi expulso, a 13 minutos do fim, mas já perdia quando, nos últimos instantes, Pedro Barbosa imitou o companheiro e viu também o vermelho das mãos do árbitro.
CINCO REGRAS DE OURO PARA A INFERIORIDADE NUMÉRICA
1. Há que treinar, treinar muito. A equipa deve saber o que fazer se ficar reduzida a dez. Cada um deve ter a noção exacta de que espaços lhe cabe preencher e como deve fazê-lo. Deve, inclusive, haver um sistema de jogo trabalhado, naturalmente sacrificando um elemento das linhas mais avançadas para manter a solidez atrás.
2. A mentalização é fundamental. No momento em que a equipa fica com menos um homem, o treinador deve conseguir comunicar rapidamente com a equipa e estabilizar emocionalmente os seus jogadores. Há sobretudo que aguentar o baque inicial do adversário, que tentará aproveitar a vantagem psicológica que lhe caiu do céu, para ter uma base sobre a qual construir o resultado.
3. Juntar linhas. Com menos um, as linhas devem estar mais juntas, de forma a facilitar as compensações e a que não se note que há um espaço por preencher na marcação zonal. A solidariedade é fundamental, mas também há que ter em conta o natural aumento do desgaste físico, pois os 10 que ficam em campo terão de correr por 11.
4. Diminuir o ritmo de jogo. Se vamos precisar de correr mais sem bola, é inteligente congelá-la quando a temos, fazer posse de bola com mais apoios e menos profundidade, de forma a diminuir o ritmo do jogo e o risco de contra-ataques do adversário. A disponibilidade de todos para participar é a base deste descanso com bola, que evita o anti-jogo.
5. Rapidez na transição ofensiva. O adversário há-de vir com mais gente para a frente e descurará a cobertura dos espaços atrás. Nesse caso, a rapidez na transição ofensiva também é uma arma a explorar, embora apenas em ocasisões cirúrgicas. O “treinador-de-campo” deve distinguir as ocasiões ideais, para não comprometer a regra anterior.
Publicado em Correio da Manhã, 3/2/2007
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
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