sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Darío Silva - O chato de 33

Darío Silva nasceu, cresceu e começou a jogar futebol nos baldios de Treinta y Tres, uma cidade na zona oriental do Uruguai assim chamada em honra dos heróis que, no século XIX, libertaram o país do jugo brasileiro, os “33 Orientales”. E deles parece ter herdado a capacidade para nunca desistir, uma perseverança lutadora que muitas vezes lhe permitiu levar a melhor e ver sempre a vida por etapas: a chegada à selecção serviu-lhe para arranjar contrato na Europa, a deserção que anos mais tarde protagonizou foi um combate político para, num plano concertado com o amigo e empresário Paco Casal – “apoderado” de quase todos os uruguaios no exterior – obrigar a Federação a compensar os jogadores.
Desde muito jovem que o pequeno e magro Darío passava os dias a correr atrás da bola. Era uma paixão vivida de manhã à noite, que acabou por dar frutos, pois do pequeno Yerbalense chegou ao Defensor Sporting, já na Liga maior. E deste passou, apenas um ano depois, ao Peñarol, que dominava o futebol uruguaio. A etapa seguinte foi a selecção, cuja “celeste” envergou pela primeira vez em 1994, como melhor marcador do campeonato. E, já se sabe, a internacionalização por um país sul-americano com tradições no futebol faz quase sempre tocar uma campainha nos escritórios dos agentes de mercado europeus. Em 1995, aos 22 anos, Darío embarcou para a Sardenha, onde foi vestir a camisola de um Cagliari a procurar renascer sob as ordens de Trapattoni.
A história deste atacante moreno – que numa fase mais colorida da vida chegou a usar cabelo tingido de louro – em Itália nunca foi de muitos golos: um total de sete nas duas primeiras épocas, 13 na terceira, já na Série B. Mas os adeptos admiravam-lhe a entrega, a mobilidade frenética e até se riam da forma como falhava golos fáceis. Chamavam-lhe, em dialecto local, “Sa Pibinca”, que é como quem diz “O Chato”. Mas nem por isso tiveram muita pena de o ver partir quando, em 1998, rumou a Espanha. Ali, jogou no Espanyol, mas foi em Málaga que mais se destacou. “Os meus quatro anos na Costa do Sol foram de plena felicidade”, diria mais tarde dos campeonatos que levaram o mais poderoso Sevilha a contratá-lo, já aos 30 anos.
Uma breve e mal-sucedida passagem pelo futebol inglês, no Portsmouth, conduziu-o ao desemprego em Fevereiro de 2006. Os clubes uruguaios bateram-se pela sua assinatura, mas Darío preferiu esperar por uma chamada do exterior. Teve então mais tempo para dedicar à mulher, Adriana, aos dois filhos, Elina (nascida em Itália) e Diego (que viu a luz do dia em Espanha), aos cães – dois imponentes rottweillers –, aos amigos e aos carros, uma das suas maiores alienações. Foi numa das suas duas carrinhas de tracção às quatro rodas, a vermelha, que teve o acidente que lhe roubou a perna direita.
Tinha 33 anos.


Publicado em Correio da Manhã, 6/1/2007

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