sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

As razões do gordo

Fabrizio Miccoli está chateado e manda o bom senso dizer que tem alguma razão. Ninguém gosta que lhe digam que é gordo – ora esse desconforto aumenta se o gordo é um atleta profissional e se quem o diz o faz numa conferência de imprensa altamente mediatizada, mesmo que fruto de um momento de descompressão na sequência de uma vitória sofrida. Fernando Santos não fez por mal – estava a libertar a adrenalina que acumulou até aos golos salvadores de Nuno Gomes e Mantorras – mas fez mal. Miccoli não é um modelo de elegância, mas a verdade é que nunca o foi e, até chegar ao Benfica, em três anos de Série A italiana, fez quase 100 jogos e só falhou sete convocatórias. Algumas por opção, na Juve, outras por precaução, devido a problemas com um tendão, mas nenhuma delas por causa dos problemas musculares que agora tanto o apoquentam.
Até vir jogar para Portugal, Miccoli era um modelo de continuidade. Se deixou de o ser é seguramente porque está a trabalhar mal – o corpo não se deteriora desta forma em tão curto período de tempo e nem o bom Dr. House se atreveria a sugerir factores ambientais para explicar as suas sucessivas crises. E, das três uma: ou Miccoli está a trabalhar mal porque não acata as ordens dos treinadores – e se é esse o caso devia mesmo ser castigado internamente –, ou está a trabalhar mal porque as ordens que lhe dão não são adequadas e ele precisa de um plano de treinos diferenciado para combater este tipo de lesões; ou está tudo bem com o trabalho e ele anda é a viajar de uma recuperação mal feita para uma nova lesão, assim conduzindo ao eternizar do problema. A julgar pelo que disse e pela forma como se referiu a “estes médicos”, o jogador parece acreditar mais na terceira opção.
Miccoli disse ainda na quinta-feira que tinha apenas mais um quilo e meio do que quando estava na Juventus e que tal seguramente se deveria ao longo período de paragem a que tem estado sujeito. Certo. Contudo, basta consultar os vários almanaques do futebol italiano para ver que, neles, o pequeno atacante vinha referenciado como tendo 1,68m de altura e 64 quilos de peso: os mesmos 64 quilos que estão referidos na revista “Record” de apresentação de época e, pasme-se, no sítio oficial do Benfica na internet (os “Cadernos de A Bola apresentam 66kg, a revista de O Jogo é mais simpática e fica-se pelos 60kg). De qualquer modo, tudo muito longe dos 71 que Miccoli tem agora ou até dos 69 a que alude como sendo o seu peso ideal. É certo que, muitas vezes, quando os clubes não fazem chegar as informações oficiais aos editores, estes repetem a informação do ano anterior – em Portugal, alguns clubes até mandam para as redacções a informação tirada das revistas do ano anterior, sem ligarem às pesagens feitas no interim – mas o que isto prova é que, pelo menos no seu ano de estreia no futebol de alta competição, Miccoli já pesou 64 quilos. E que, se calhar, devia batalhar um pouco para lá voltar.

DÚVIDAS LEGÍTIMAS
Madrid é melhor que Assunção?
É diferente. Assunção é melhor para um jogo mais à base da posse e circulação de bola. É mais seguro, mais fino tecnicista. Mas é menos agressivo e menos objectivo que o argentino que Jesualdo bem conhece de Braga e que encaixa melhor no futebol que tenta implantar no FC Porto – mais risco e menos controlo.

Derlei seria bem-vindo à Luz?
Fernando Santos tem Nuno Gomes e depois tem de coçar a cabeça a ver, entre Mantorras e Miccoli, se algum dos dois está disponível. Se estiver plenamente recuperado dos problemas no joelho que teve antes da Rússia, Derlei encaixa melhor no futebol da do que o homem alto e bom cabeceador que muitos experts reclamam.

Justifica-se aumento de Moutinho?
Os futebolistas devem ganhar conforme rendem. E o rendimento de João Moutinho está bem explícito na sequência ininterrupta de jogos que fez com a pelo Sporting e que o levará a completar hoje 87 jogos seguidos com a camisola leonina. Se joga sempre é porque joga bem. E se joga bem, merece ganhar como os melhores.


PÉ DE PÁGINA
REGRESSO. Começou o jogo e Rui Costa logo se disponibilizou para comandar. Recuou, mostrou-se, pediu a bola, levantou a cabeça e começou a dar ordens, para aqui, para ali. E, no entanto, apesar da qualidade do “maestro” e de grande parte dos executantes, a música não saía afinada. Faltavam linhas de passe, não se via o frémito das grandes ocasiões. Os julgamentos precipitados questionavam a pertinácia do regresso.

HÁBITO. Praticamente desde que Rui Costa saiu para Itália que a equipa do Benfica deixou de estar rotinada para jogar com alguém que pense antes de mandar. Os jogadores de ataque puro e posicional iam falhando naturalmente, ao contrário de outros, que faziam da velocidade de transição a sua maior arma e que se transformaram em símbolos do clube. Sem se dar conta, o Benfica tinha-se transformado e não sabia acolher o filho pródigo.

SISTEMA. O Benfica ganhou, mas Rui só não saiu antes porque o treinador sabia que podia perder o jogador se a virada fosse feita sem ele. O Benfica pode acolher Rui Costa, mas antes precisa de resolver um problema: o maestro não é homem de 4x3x3, mas sim de 4x4x2. Precisa de dois colegas à frente para deixar os adversários num dilema irresolúvel – se vão à bola, levam o passe nas costas; se ficam, deixam a bola chegar à área.

Publicado em Record Dez, 27/1/2007

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