A emigração juvenil

A globalização trouxe ao futebol um fenómeno de concentração de talentos nos mercados mais ricos ao qual é cada vez mais difícil fugir. Para clubes de um país periférico, só há uma escapatória: formar sempre. E, sobretudo, agarrar-se bem aos formandos, para evitar perdê-los antes de deles tirar rendimento desportivo e a tempo de, com os lucros vindos dos melhores de todos, pagar o gasto com a máquina, condenada a produzir uma série de falhanços.
A equação é simples. De um lado, os clubes de países exportadores, onde o êxodo abre portas a uma renovação permanente e até favorece a eclosão de ainda mais talentos. Do outro, os clubes de países ricos, a investir na prospecção de modo a que, anos mais tarde, possam diminuir custos na contratação de estrelas: da mesma forma que é boa política formar jogadores, mesmo que 99 por cento deles nunca o justifiquem, também é bem pensado recrutar os craques enquanto crianças, mesmo com margem de erro elevada. O preço, em contrapartida, é convidativo.
Clubes como o Chelsea, que nas últimas duas décadas só formou um jogador de top - Terry -, acordaram recentemente para esta realidade, onde já há muito se movem, por exemplo, o Barcelona ou o Arsenal. Os catalães recrutaram Messi ou Geovanni na puberdade e se, com o primeiro, já colheram frutos do investimento, do segundo esperam maravilhas a breve prazo. Os londrinos fizeram deste expediente a base da política de recrutamento nos dez anos de Arsène Wenger, com Fabregas ou Alladière como expoentes máximos da filosofia. Mas já o Ajax, por exemplo, praticava este tipo de pirataria desde os anos 70, recrutando os mais promissores jovens nórdicos com borbulhas na cara.
Em todos esses casos, ficaram a perder os clubes formadores. Ora, foi precisamente para evitar o maior tombar da balança para um dos lados que a FIFA tem vindo a apertar cada vez mais as leis da emigração juvenil. Em Zurique, a preocupação é com a sobrevivência de clubes formadores, porque se sabe que, se não forem eles a levar os miúdos para o futebol, ninguém o fará. E os craques não nascerão de geração espontânea. Mas há que olhar para o outro lado e perceber que os miúdos já têm informação suficiente para não deixarem que os seus interesses sejam lesados. Num Mundo ideal, cada clube poderia ficar com os seus formandos até aos 23 anos, dando-lhes então a possibilidade de ganhar dinheiro. Mas o nosso não é um Mundo ideal - além de ficar a perder do ponto de vista salarial, um jovem africano, por exemplo, pode crescer melhor física e futebolisticamente se for bem acompanhado por técnicos especializados num centro de formação europeu. Da mesma forma que umjovem beirão ou algarvio progride mais no Sporting ou no FC Porto que no clube do bairro. Por isso, melhor seria dignificar o que se paga em custos de formação e não limitar esse pagamento ao acto de uma transferência futura. Assim é que se equ libra a balança.

Publicado em Sábado, 8/2/2007