sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pimenta Machado - "Sobre-homem" de Guimarães

“Não se pode inverter todos os valores? E o bem é talvez o mal?”. Quem o disse não foi Pimenta Machado mas sim Friederich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX e uma espécie de inspirador do mais duradouro presidente do Vitória de Guimarães. Inventor do aforismo “o que hoje é verdade, amanhã é mentira”, Pimenta Machado, mestre da gincana na arte de conduzir um clube ao sucesso à base de expedientes, deu novo formato à máxima do mestre que dizia que “tudo evolui” e que “não há realidades eternas, nem verdades absolutas”.
António Pimenta Machado nasceu no seio de uma família abastada, em São Torcato, Guimarães, em 1950 e cedo pôde dedicar-se ao Vitória. Aos 25 anos, já era vice-presidente, cargo que abandonou quando foi estudar Direito para Lisboa. Mesmo assim, em Março de 1980, deixou-se convencer pelos primos Carlos e Armindo e candidatou-se à presidência. Ganhou e, aos 29 anos, com pinta de actor saído de um filme da “Nouvelle Vague” francesa, trouxe uma nova dimensão ao futebol português, onde era o presidente mais jovem e o primeiro a trajar fatos claros. Não seria essa, contudo, a marca mais distintiva deixada no clube pelo homem que chegou a ter Pinto da Costa (na altura afastado do FC Porto) como conselheiro: três jornadas depois de Pimenta tomar posse, o Vitória perdeu em casa com o Beira Mar e o presidente mostrou-se como é – impulsivo –, despedindo o treinador Imbelloni e substituindo-o pelo preparador físico, Cassiano Gouveia.
A verdade é que, mesmo mudando de técnico ao ritmo das más disposições do líder (Quinito chegou a ser afastado em segundo lugar), o Vitória transformou-se num candidato permanente a um lugar entre os grandes. Nos 24 anos sob o comando deste presidente autoritário e que parecia julgar-se acima da lei – uma vez ameaçou abrir os portões de acesso ao relvado se o árbitro, António Rola, se portasse mal – o Vitória ganhou apenas uma Supertaça, mas qualificou-se dez vezes para as competições europeias, chegou aos quartos-de-final da Taça UEFA e obteve dois terceiros lugares no campeonato nacional.
Depois de quase ser elevado ao estatuto de divindade no clube (todos o temiam, viu darem o próprio nome ao complexo desportivo que construiu e, afinal, teve o “Papa” a trabalhar para ele), Pimenta demitiu-se em Maio de 2004, no seguimento de investigações da PJ. Dois anos depois, o Vitória caiu na II Liga. Dizia Nietzsche que, assim que matasse Deus, o homem acederia “por causa desse acto, a uma história mais elevada que toda a história até então”. No caso do Vitória, enganou-se.

Publicado em Correio da Manhã, 10/2/2007

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