O salto mortal ficou na retina de todos quantos estavam a ver o jogo, mas não chegou para apagar tudo de bom que Nani tinha conseguido imediatamente antes. Num lampejo de inspiração, o miúdo que cresceu a jogar à bola na rua, no bairro de Santa Filomena, na Amadora, livrou-se de três adversários, correu 40 metros e fez o primeiro golo com a camisola do Sporting. Foi no Bessa, onde regressa hoje, em busca de nova afirmação e do consumar das pazes com Paulo Bento, o treinador que lhe deu a titularidade e o único título que tem no currículo – o campeonato nacional de juniores de 2005.
De então para cá, Nani pôs meia Europa a falar dele. Félix Magath, treinador do Bayern Munique, considerou-o um “dos melhores e mais interessantes jovens jogadores da Europa”. Luiz Felipe Scolari, que o levou à selecção portuguesa no início desta época, disse à imprensa italiana que ele “é o herdeiro de Figo”, o que deixou os transalpinos a ponderar se valeria a pena investir neste miúdo que até já tem uma “kizomba” composta de propósito para ele. Carlos Queiroz indicou-o no Manchester United, onde toda a gente está grata pela contratação de Ronaldo, e este também não perdeu tempo a dizer que “gostava muito” de ter mais um compatriota na equipa. Andrei Karyaka, jogador do Benfica, não teve dúvidas quando teve de avisar o Spartak de Moscovo para os maiores perigos deste Sporting: “Nani e Moutinho são muito técnicos e têm uma criatividade rara”, disse. E, no entanto, depois de um começo de época fulgurante, Nani acusou a pressão, baixou de rendimento e bateu no fundo ao não ser sequer convocado para a deslocação ao Restelo com que os leões encerraram a primeira volta do campeonato, empatando sem golos.
O regresso, contra o Rio Ave, foi promissor, mas ainda longe do Nani que José Peseiro, o treinador que o promoveu ao plantel principal, recorda dos seus tempos de Sporting. “É um jogador que alia explosão e resistência como só os grandes conseguem. É muito forte e explosivo no um contra um, é rápido na execução e na condução de bola”, diz o técnico que acaba de deixar o Al-Hilal, dos Emiratos Árabes Unidos. “Além disso, alia a uma criatividade invulgar uma boa capacidade defensiva. Não é o ponto forte dele, mas nunca se esconde, vai sempre à procura da bola quando a perde, o que faz dele um jogador muito forte nas transições”, completa Peseiro acerca do jovem que não deixou sair para o V. Setúbal, cujo treinador, Luís Norton de Matos, o queria por empréstimo logo no primeiro ano de sénior. O que se terá passado então? Peseiro prefere não se alongar: “Não o tenho acompanhado…”
A verdade é que, com Paulo Bento, Nani progrediu. Passou de imediato a ser titular e fez cinco golos na época passada – quatro na Liga, um na Taça de Portugal. Esta época, entrou de rompante no panorama dos jovens mais promissores da Europa. Até final de Setembro, assinou quatro golos, provocou mais dois e estreou-se na selecção (com um golo de canto directo). Com a chegada do Inverno, contudo, caiu de produção. Só voltou a marcar mais uma vez, em Setúbal; desiludiu em jogos marcantes, como a derrota em Milão ou o empate em casa com o FC Porto; e saiu das escolhas do treinador, também na sequência de um incidente com o “capitão” Custódio, após uma entrada despropositadamente ríspida, num treino.
Olhando para os indicadores objectivos, é difícil perceber o que fez cair Nani. É verdade que o jogo com a Académica foi o segundo em que, jogando como titular, o médio não ensaiou um único remate à baliza e que, da outra vez que isso lhe acontecera (contra o FC Porto) também lhe custara a titularidade (a seguir, começou no banco frente ao Beira Mar). Mas em termos de performance defensiva, Nani esteve acima do seu nível contra a Académica, com nove recuperações (tem uma média de 5,6 por jogo). O que transpirou para fora do balneário é que o castigo se devia a uma menor concentração nos treinos na semana após o regresso de férias natalícias, culminando assim um processo de construção de carácter que foi necessário introduzir quando o jogador passou a centrar nele as atenções. Ora a melhor prova de carácter que ele pode dar é repetir a afirmação que já fez no Bessa, em finais de Outubro de 2005.
Salto mortal herdado da capoeira
Todos os golos marcados por Nani acabam da mesma forma: um salto mortal a fazer as vezes de festa. Este foi um hábito que o jogador manteve dos tempos em que, como juvenil do Real Massamá, praticava capoeira, uma arte marcial desenvolvida por escravos africanos no Brasil.
Rica estreia
Para primeiro golo, o que Nani marcou no Bessa não esteve nada mal. O jogador recebeu a bola ainda no seu meio-campo, de costas para a baliza adversária, e começou por rodar. Na rotação, tirou Tiago do caminho, deixando-o estatelado no chão. Foi então tempo de acelerar e, fruto de uma velocidade espantosa, passar por uma nesga entre Rui Duarte e Guga, que tentaram barrar-lhe o caminho. À entrada da área, com Hélder Rosário pela frente, chutou. A bola raspou no defesa e assumiu uma trajectória indefensável para o guardião Carlos.
O que mudou na vida de Nani
Passou pouco mais de um ano desde o dia em que Nani marcou o primeiro golo, mas desde então muita coisa mudou na vida do médio sportinguista. Tem um novo empresário, ganha mais, passou a ser imagem de marca da BMW e anda frequentemente pelas capas dos jornais.
Ao jogar como titular no Bessa, Nani melhorou automaticamente as condições contratuais – o primeiro contrato como profissional previa um salário de 1500 euros ao mês até ao momento em que fosse três vezes titular. Nessa altura, dividia um apartamento em Alcochete com Semedo, defesa-central que actualmente joga em Itália, no Cagliari. Hoje vive sozinho e no último Verão até pôde concretizar um sonho de menino – foi pela primeira vez de férias a Cabo Verde.
Uma das poucas coisas que não mudou na vida de Nani foi, contudo, o contrato: continua a ser o mesmo, o primeiro que assinou como profissional e que o Sporting anda a tentar renovar – incluindo uma cláusula de rescisão mais elevada – há um ano. A esse impasse não será estranho o facto de o jogador ter mudado de empresário: logo no dia seguinte ao golo do Bessa, Ana Almeida, que na altura agenciava o jogador, anunciou que ia tentar renegociar; contudo, desde essa altura Nani passou a ser defendido por Jorge Mendes, que percebeu que o tempo jogava a favor do cliente.
Um dos aspectos mais polémicos da mudança – Ana Almeida acusa Jorge Mendes de ter dado ao jogador um Mercedes C SportCoupé, no valor de cerca de 40 mil euros, para o aliciar – também já passou à história. É que Nani ganhou popularidade e, fruto de um contrato com um concessionário, já conduz um potente BMW Série 6, que vale mais de 100 mil euros.
ASCENÇÃO METEÓRICA
Agosto 2003 – Ingressa nos juniores do Sporting, proveniente do Real Massamá. Mas não foi logo eleito para assinar contrato, passando a receber apenas um subsídio de transporte.
Novembro 2004 – Assina os primeiros contratos. O de formação, válido até Junho de 2005, e o profissional, para vigorar apenas após essa data e até 2008.
24 Junho 2005 – Sagra-se campeão nacional de juniores com Paulo Bento como treinador. Mesmo jogando só meio campeonato, porque contava como estrangeiro, ainda marca sete golos.
11 Julho 2005 – Depois de umas curtas férias, integra o estágio de pré-época da equipa sénior. Norton de Matos pergunta se o Sporting está disponível para emprestá-lo ao V. Setúbal, mas José Peseiro recusa.
13 Julho 2005 – Joga pela primeira vez na equipa principal, alinhando de início na vitória por 3-1 contra o Torreense, em jogo amigável.
10 Agosto 2005 – Primeiro jogo oficial: substitui Custódio a 17 minutos do final da partida com a Udinese, na pré-eliminatória da Liga dos Campeões, mas a equipa não dá a volta ao resultado.
26 Agosto 2005 – Passa a ter o estatuto de igualdade de direitos e a contar como comunitário nas contas da equipa.
23 Outubro 2005 – Na sua estreia à frente da equipa, Paulo Bento dá-lhe, pela primeira vez, a titularidade. Joga como 10, nas costas do ponta-de-lança.
30 Outubro 2005 – Marca o primeiro golo como sénior, no Bessa, após jogada individual desde o seu próprio meio-campo.
30 Novembro 2005 – Agostinho Oliveira convoca-o pela primeira vez para uma selecção nacional: a equipa B que vai jogar o Torneio Vale do Tejo.
24 Janeiro 2006 – Estreia-se de “quinas” ao peito em substituição de Custódio (mais uma vez), aos 28 minutos de um jogo com a Eslovénia (1-1).
1 Setembro 2006 – Estreia-se na selecção A logo como titular, pela mão de Scolari, numa derrota por 4-2 frente à Dinamarca. Marca um golo, de canto directo.
Publicado em Correio da Manhã, 27/1/2007
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
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