sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

A guerra de Carlos Martins

Carlos Martins quis ir à guerra, mas a guerra estava fechada. Vai daí, desatou a distribuir cacetada gratuita por quem por ali andava e fez-se expulsar estupidamente com dois cartões amarelos num minuto. O episódio pode ensinar uma lição a todos os intervenientes. A Martins, que é preciso manter controlo emocional para se ser um futebolista de top. A Paulo Bento, que serve de pouco querer contrariar a natureza de um jogador, sob o risco de, tal como o escorpião que pica o sapo e morre com ele no rio, ele não fazer nada bem.
Recapitulemos. Carlos Martins é um jogador atacante notável. É dono de um pontapé forte, de uma capacidade de exploração de espaços em transição ofensiva invulgar, fruto de uma ampla visão de jogo e de uma velocidade com bola demolidora – seja porque corre depressa ou, sobretudo, porque decide depressa para onde deve correr. Bem aproveitado, é ele a chave para o futebol do Sporting, sempre tão forte a estabelecer equilíbrios defensivos e tantas vezes sofrível na altura em que precisa de dar profundidade ao jogo atacante.
O problema é que Martins é um jogador tacticamente indisciplinado. Se os adeptos que o criticam se concentram fundamentalmente nos passes que perde, nos remates que falham o alvo – em suma, naquilo que ele faz com bola – a verdadeira razão para a sua pouca utilização recente tem sobretudo a ver com aquilo que ele faz sem bola. E, aí, é frequente que não esteja no sítio onde o plano manda estar, que deixe desocupados os espaços que é suposto defender. Como as repetidas chamadas de atenção foram ignoradas e o comportamento defensivo do jogador não mudou, Paulo Bento arrumou Martins a um canto: “Quem quiser vir à guerra, pode montar-se nas minhas costas. Quem não quiser…”
O Natal e o Ano Novo aconselharam Martins a responder positivamente ao repto do treinador. Apareceu de cabelo rapado, com ar de recruta, como que a deixar clara a mensagem: queria ir à guerra. E foi. No Restelo, até ser expulso, esteve defensivamente impecável, empenhado a ocupar espaços, a correr sem bola. O problema é que, sem ele ou outro como ele para desequilibrar ofensivamente, o Sporting viu-se obrigado a cancelar a sua participação na guerra por falta de munições. E ninguém avisou o novo recruta, que levou ao extremo a atitude beligerante e acabou por prejudicar seriamente aquilo que já mais se parecia com uma cimeira para negociar a paz.
Ao contrário do que muitos advogam, não acho que Paulo Bento deva meter Martins em definitivo no cesto dos desperdícios. Nem acredito que o faça. Mas o treinador deve reflectir seriamente acerca do que quer do seu número 10: um médio que pode resolver jogos difíceis pelo contributo atacante, mesmo com algumas falhas defensivas; ou um médio que, de tão obcecado com a defesa, acaba por ser nulo no ataque? Porque para ter os dois num só, era preciso muito trabalho e tempo de reformatação que não há no futebol profissional de alto rendimento.

Publicado em Sábado, 18/1/2007

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