No colóquio sobre modelos de jogo em que esteve, no mês passado, com Paulo Bento, Fernando Santos e Neca, Jorge Jesus não apareceu a defender o 4x4x2 ou o 4x3x3 que mais tem usado no Belenenses desta época, mas o 3x4x3 de inspiração holandesa. Sem problemas de maior, porque o que estava ali em causa não era tanto a distribuição estática de homens em campo, mas os princípios escondidos por trás dessa distribuição. E Jesus, confesso admirador da filosofia da Holanda de 1974, falou da generalidade dos princípios dessa equipa holandesa: qualidade de passe, amplitude ofensiva, intensidade de pressing, bom jogo posicional e redução de espaços ao adversário.
De uma coisa, contudo, Jesus não falou, porque já a tinha adoptado na partida anterior, na Madeira, contra o Marítimo e não pensava abdicar dela nos jogos mais próximos: a exploração da regra do fora-de-jogo. Se nos primeiros 12 jogos da Liga cada adversário do Belenenses tinha sido apanhado, em média, 4,6 vezes em fora-de-jogo, nos três últimos esse número mais do que duplicou. Na Madeira, o Marítimo viu as suas acções ofensivas interrompidas pelo bandeirinha em 12 ocasiões e perdeu por 4-1. Na Luz, o Benfica ainda iludiu a armadilha e talvez por isso mesmo venceu a partida, embora por uns 4-0 que foram falsos, tendo em conta o que se passou em campo. Por fim, uma das razões fundamentais para o empate a zero consentido pelo Sporting no Restelo (e para o seu recorde negativo de remates na Liga – apenas quatro) foram os 14 foras-de-jogo que lhe foram assinalados. Um número que só não é um máximo da Liga, porque o Desp. Aves deixou os atacantes do E. Amadora 15 vezes em “off-side” no confronto entre os dois conjuntos.
A exploração do fora-de-jogo é um dos segredos tácticos da equipa de Jesus, que no final do jogo com o Sporting não foi capaz de esconder a satisfação e disse com orgulho que o Belenenses era “tacticamente, a melhor equipa” da Liga. Sobretudo quando, como foi o caso no jogo com o Marítimo, a armadilha é mais do que uma táctica defensiva e, como tão bem o fazia a Holanda de 1974, se transforma igualmente numa arma atacante. Para o conseguir, é necessário obedecer a uma regra que os jogadores do Belenenses seguramente bem conhecem mas nem sempre puseram em prática. É que não basta correr em linha pelo campo acima numa altura em que a bola se afasta da baliza, de forma a deixar os atacantes adversários em fora-de-jogo quando vier o passe para a frente – é preciso correr para lá do opositor mais próximo e depois em direcção à bola, que, ela sim, é o objectivo primordial.
Os atacantes que ficam fora-de-jogo são factores secundários numa acção que se destina, fundamentalmente, a lançar um contra-ataque. O Belenenses conseguiu isso contra o Marítimo, mas já não soube fazê-lo contra um Sporting que se expõe e desorganiza muito menos a atacar e, exactamente por isso, é muito forte nas transições defensivas – mas mais fraco em ataque contra adversários também bem organizados. Nessas alturas, é preciso ter outros argumentos que ao Belenenses faltaram.
DÚVIDAS LEGÍTIMAS
Carlos Martins deve ser afastado?
Deve ser punido por ter prejudicado a equipa e, de seguida, aproveitado de acordo com as suas características. Que não são as de um médio destinado a promover equilíbrios defensivos, mas sim as de um médio que provoca desequilíbrios ao adversário. Se não pode suportar este grau de anarquia, o Sporting pode desistir dele.
O Benfica precisa de mais um avançado?
O Benfica gosta de transições rápidas e isso, como se viu contra a Académica, prejudica-lhe o controlo dos jogos, mais rápidos e menos dados a ataque organizado. Este futebol coaduna-se pouco com a ideia de um avançado para fazer ataque posicional. Pode vir uma torre para os jogos complicados, mas os titulares estão encontrados.
Ricardo Rocha é bem vendido?
Depende do preço. O Benfica tem uma alternativa válida em Anderson. Mas se o brasileiro fosse tão bom como Rocha, seria titular. Não é, porque lhe falta garra, capacidade de contagiar o resto da equipa. Antes de vender, o Benfica precisa é de decidir se quer desfazer-se de Rocha agora ou de Luisão no Verão. Os dois é que não podem sair.
PÉ DE PÁGINA
DESTINO. Ao fim de sete jornadas, o Estrela da Amadora tinha um ponto e fizera dois golos, nenhum deles nas duas casas emprestadas que utilizara enquanto o seu relvado passava por uma remodelação: a Luz e o Estoril. A sentença estaria preparada para a equipa de Daúto Faquirá: para o ano, esperava-a a Liga de Honra. Mas, de mansinho, sem ninguém dar muito por isso, o Estrela procurou mudar o destino. E está a conseguir.
MUDANÇAS. As alterações na equipa não foram profundas. Faquirá continuou a usar o 4x2x3x1, por vezes transformado em 4x3x3, e trocou apenas um jogador: Wescley por Edu Silva, passando Amoreirinha para o centro da defesa, onde pertence. A prazo, porém, Ndiaye, Tiago Gomes e Jaime foram ganhando preponderância na manobra global, tornando o Estrela uma equipa muito mais explosiva, cerebral e técnica. Os resultados não tardaram.
SUBIDA. Desde que bateu o V. Setúbal, na estreia da nova Reboleira, o Estrela só perdeu um jogo, em Coimbra. Tirando essa derrota, só sofreu golos nas deslocações ao Bessa e a Paços de Ferreira, onde empatou. Em casa, leva quatro jogos seguidos sem sofrer golos e, mais importante, quatro vitórias seguidas. Ainda é 12º, mas já tem a linha de água à mesma distância de uma posição europeia – oito pontos. Eis um bom trabalho.
Publicado em Record Dez, 20/1/2007
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
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