sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O jeito para os penalties

Não deve ter sido propositado, mas Fernando Santos bem podia ter armado a equipa do Benfica para aguentar os empates a zero com o Bayern e a Lazio e jogar nos penalties o valor do cheque chorudo que a equipa acabou por trazer do Dubai. É que o jeito das equipas – e dos guarda-redes – portuguesas para este tipo de desempates já deixou de ser segredo, tantos têm sido os sucessos registados no novo milénio. Embora a competição fosse particular, o valor monetário em jogo – ligeiramente mais de um milhão de euros – permitiu que Moretto se juntasse a uma galeria de heróis onde Ricardo é rei e Moreira até já tinha lugar cativo.
Desde que, em 1999, Enke brilhou num desempate contra os gregos do PAOK, as equipas portuguesas de seniores já estiveram envolvidas em outras seis decisões por penalties, ganhando todas menos uma: o Marítimo estragou uma série notável, ao perder com o Glasgow Rangers a passagem de uma eliminatória da Taça UEFA, com Marcos (um brasileiro) na baliza. De resto, Ricardo brilhou em três ocasiões (pelo Boavista, contra o Maiorca, e duas vezes por Portugal, ambas contra a Inglaterra) e tornou-se mesmo o guarda-redes com mais penalties defendidos num jogo em toda a história dos Mundiais (três), Vítor Baía ajudou o FC Porto a ganhar a sua segunda Intercontinental no desempate contra o Once Caldas e Moreira foi decisivo na passagem de Portugal ao Europeu de “esperanças” de 2004, detendo o penalti de Evra, depois de Mexes ter falhado a sua baliza.
Costuma dizer-se que os desempates por penalties são uma “lotaria”, mas a análise das duas séries apresentadas ao lado parece poder desmenti-lo. Primeiro, porque ninguém ganha tantas vezes seguidas a taluda. Depois porque se neste momento as equipas nacionais são praticamente imbatíveis neste tipo de decisões, alturas houve em que as encaravam como uma fatalidade e raramente delas saíam vencedoras: antes da inversão da tendência só ganharam duas das nove restantes ocasiões em que se envolveram nos derradeiros 20 anos. E a ajudar a tese está o facto de, nessa altura, Portugal já brilhar nos desempates por penalties jogados nas camadas jovens: foi nos penalties que a selecção de juniores bateu a Hungria, no Europeu de juniores de 1990, assegurando a presença no Mundial da mesma categoria, em 1991, que acabou por ganhar, derrotando na final o Brasil com o mesmo expediente.
Tudo somado, parece indicar que funciona há uns anos uma escola de guarda-redes super-defensores de penalties em Portugal, à qual devemos somar alguns estrangeiros com jeito para a coisa, como Moretto – que já na época passada brilhara ao deter um penalti de Ronaldinho Gaúcho, na Liga dos Campeões. O problema – ou a alegria – para Fernando Santos é quem, com Quim na baliza, o Benfica não sofre golos no campeonato desde Novembro e por isso não tem forma de recompensar os heróis do Dubai, por melhores que eles sejam nos remates dos onze metros. Mesmo quando se sabe que em dois anos e meio de Benfica nunca Quim defendeu um penalti num jogo de competição.




DÚVIDAS LEGÍTIMAS
Manu pode ser alternativa no Benfica?
Pode. Mas as exibições no Dubai – como as de início de época – não devem ser fonte de demasiada esperança, porque Manu é um daqueles jogadores que arranca bem e não perde ritmo com as paragens. Tem um motor de explosão e destaca-se perante outros, com motor a gasóleo, que levam mais tempo a recuperar a forma.

Jesualdo teve razão nas críticas aos jogadores?
Sim, porque mesmo sem seis habituais titulares o FC Porto tinha a obrigação de ganhar ao Atlético. Mas o treinador também deve ser chamado à pedra, porque o discurso de exigência não é coerente com a poupança dos melhores jogadores, ainda por cima após três semanas de paragem. Subconscientemente, todos se pouparam.

A que se deve a saída de Carvalhal do Beira Mar?
À força do capital. Se uma SAD está afundada em dívidas e aparece um investidor que as paga mas, em contrapartida, quer escolher um amigalhaço para treinador, há dois caminhos. Ou se aceita e se tenta evitar a morte, que de Espanha já afligiu o Farense. Ou se recusa em nome de uma ideia. Eu optava pela segunda hipótese.


PÉ DE PÁGINA
ESFORÇO. O que falta da época pode dizer o contrário, mas o período de Natal deixou a ideia de que, finalmente, o Manchester United descobriu a fórmula para superar o Chelsea. É verdade que na equipa de Mourinho faltaram titulares – sobretudo Terry e Cole – e alternativas, mas nem isso explica a forma como andou a jogar: sempre em esforço, a parecer que já tinha esticado ao máximo o que tinha para dar.

CONTRASTE. O contraste para o futebol natural do Manchester era bem evidente. Sempre que precisava, a equipa de Ferguson mostrava que ainda tinha alguma coisa no reservatório. Tacticamente bem, fisicamente insuperável e tecnicamente brilhante, Ronaldo é o extra que o Chelsea não tem, mesmo que o futebol possante e por vezes imprevisível de Drogba possa querer anunciar o contrário.

MOBILIDADE. É verdade que o United não tem um ponta-de-lança como Drogba. Mas uma das chaves do segredo da equipa é precisamente essa. Sem o jogador de referência, Ferguson voltou a apostar na mobilidade dos atacantes. E, enquanto lidera mesmo sem muitos golos de Rooney ou Saha (oito golos cada em 22 jogos), vê o Real Madrid longe do topo com nove golos de van Nistelrooy (nove em 17).



Publicado em Record Dez, 13/1/2007

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