sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Treze treinadores contra a paragem

Treze dos 16 dos treinadores da I Liga são contra uma interrupção tão longa da competição nesta altura. De acordo com o calendário da Liga só estão Jesualdo Ferreira, Paulo Bento e Domingos Paciência, enquanto que nem por ter estado envolvido na Liga dos Campeões e ter a Taça UEFA à perna Fernando Santos descobre os benefícios das mini-férias de Natal.
Jesualdo Ferreira, do FC Porto, foi consultado antes da elaboração do calendário e deu nessa altura a mesma resposta que dá agora: “Os dez dias de descanso são importantes. Permitem a saída de um ambiente de trabalho tenso, exigente e desgastante sem grandes perdas”, considerou o treinador líder da Liga. E no mesmo sentido se manifesta Paulo Bento, do Sporting. “Em termos físicos e emocionais, a paragem é boa, porque permite descansar. Para os clubes, pode ser financeiramente prejudicial, mas ninguém me garante que se houvesse jogos no Natal e Ano Novo os estádios estariam cheios”, diz, concordando com Jesualdo quando este fala em “hipocrisia” de quem sobrevaloriza o aspecto-negócio.
Ora tanto Jesualdo como Bento falam de barriga cheia, pois tiveram a Liga dos Campeões e as selecções nacionais a desgastar-lhes os jogadores. Disso não se queixam os treinadores dos clubes mais pequenos nem Fernando Santos. “Paramos 15 dias, os atletas ausentam-se e, como é natural, haverá quebras de ritmo. E depois não teremos tempo para readquirir os índices”, diz o técnico do Benfica. Jesualdo concorda, mas não contava com a manutenção do ritmo. “Se as equipas estão num ritmo bom, as pausas podem quebrá-lo? Admito que sim. Mas se não houvesse férias, o ritmo manter-se-ia? Não. Então, venha o diabo e escolha”, remata o treinador do FC Porto.
Domingos Paciência, treinador da U. Leiria, faz uma síntese realista. “A paragem é benéfica, para corrigir erros, rectificar planteis e partir para uma segunda volta melhor. Mas é melhor para as equipas grandes do que para as pequenas, que só jogam de domingo a domingo”, diz, acedendo, contudo, a que nesta época “há outras emoções para serem vividas”. O treinador da U. Leiria meteu o dedo na ferida – é uma questão de número de jogos. A redução dos quadros competitivos é atacada por quase todos os treinadores de equipas com uma ínfima possibilidade de descer de divisão. Por uma questão de interesses próprios, mas sobretudo por não a acharem necessária e não a compreenderem. “Tinha que haver uma paragem, agora ou mais tarde, porque o campeonato é curto. Ou parava agora, ou acabava em Abril. Espanha, Itália e Inglaterra têm mais oito jornadas… São mais dois meses de competição”, lembra Neca, treinador do Aves. “Há treino a mais e competição a menos”, sustenta Carlos Carvalhal, do Beira Mar, para quem o exagero de tempo entre dois jogos é negativo até pelo “ruído” que cria.
Foi, contudo, Manuel Machado, técnico da Académica, quem deu início à onda de contestação a uma paragem tão longa. “Este é um campeonato de treinos e não de jogos”, disse antes das férias. “Ainda ninguém explicou a redução de clubes e, numa indústria que está quase em falência, é incompreensível que jogadores que recebem 12 ou 14 ordenados só estejam em competição 60 por cento do ano”, completou, recolhendo o aplauso de muitos colegas. “A paragem não é benéfica para ninguém. Estar tanto tempo sem jogar não é bom para as finanças”, considera Daúto Faquirá, do E. Amadora. “A redução do campeonato beneficia os grandes e a selecção nacional e prejudica a competitividade. Defendo um campeonato com 20 clubes e jogos a meio da semana”, acrescenta Carlos Cardoso, que acaba de pegar no V. Setúbal e podia aproveitar para melhorar a equipa. Eis a razão da frustração de Jaime Pacheco, que sente o Boavista a crescer, e diz que “é pena que o campeonato pare agora”.
Porque a verdade é esta: uma coisa é jogar, outra é treinar. “Quando não há competição, perde-se ritmo. Mesmo que façamos jogos particulares, não é fácil pôr os jogadores a competir, porque não há objectivos”, salienta Ulisses Morais, técnico do Marítimo. “Temo que tantos dias sem treinar e, sobretudo, sem competir, possam ser negativos”, junta Jorge Jesus, do Belenenses. Daí que haja quem defenda a paragem, mas mais curta. É o caso de Mariano Barreto, da Naval, Carlos Brito, do Nacional, Rogério Gonçalves, do Sp. Braga, ou José Mota, do Paços de Ferreira. “É uma paragem exagerada, porque vamos estar dois fins-de-semana sem competição. No Natal, sim. É um fim-de-semana. Mas no Ano Novo já não se justifica”, sustenta Mota. Sou a favor de uma paragem, que sirva para reorganizar planteis, para recuperar situações de jogadores lesionados. Mas 15 dias chegavam”, acrescenta Barreto, que acaba de pegar na Naval. “Para nós, foi ouro sobre azul. Mas esse é um caso isolado”, completa.
“O problema é o jogo da Taça logo na primeira semana de Janeiro. Porque se jogássemos a Taça agora e o campeonato recomeçasse a 7 de Janeiro, a paragem até teria sido benéfica”, completa Brito. O futebol, na verdade, não é uma ciência exacta.



Como uma segunda pré-época
A maioria das equipas da I Liga regressou entre quarta e quinta-feira ao trabalho, depois de um período de mini-férias que em muitos casos chegou aos dez dias. Daí que, por uns dias, se volte ao quotidiano normal na pré-época, com duas sessões de treino diárias. Nada que possa ser mantido por muito tempo, porque o período de paragem também não foi assim tão longo e cargas excessivas poderiam arruinar o plano de trabalhos elaborado.
Três equipas fugiram ao esquema normal de preparação: o Sporting, o Aves e a Académica. Os leões optaram por antecipar o jogo da Taça de Portugal, frente ao U. Madeira, colando-o aos desafios de 2006. “Fazemos o mesmo período de paragem, mas conseguimos que ela coincida com o Natal e o Ano Novo”, explica Paulo Bento. Desta forma, o Sporting evita problemas com atrasos de jogadores mais tentados a passar o ano em família e resolve a questão de uma segunda paragem a que quase todos os treinadores vão ser obrigados – porque serão poucos os que trabalham a 31 de Dezembro e 1 de Janeiro.
Talvez por isso, a Académica prolongou o trabalho até 23 de Dezembro, com jogos-treino, e regressa apenas a 2 de Janeiro, a quatro dias de um compromisso para a Taça de Portugal, com o Vitória de Setúbal. Ainda assim, nada que se compare com o que fez o Aves, que não deu férias aos jogadores, antes os compensando com dois períodos de folgas alargadas. “Os nossos jogadores estão perto uns dos outros e pudemos fazer isto sem criar um choque com a tradição. Parámos três dias, trabalhámos dois, parámos mais três e voltámos ao trabalho. Assim suavizamos os efeitos da paragem”, revela Neca.


Jogar na passagem de ano
A passagem de ano de 1995 para 1996 assinalou a última ocasião em que o campeonato português não parou para as festas. Houve oito jogos a 23 de Dezembro, seis no dia 30 e mesmo um Boavista-V. Guimarães às 18 horas de dia 31, a antecipar a hora de comer as doze passas: ganhou o Boavista por 2-1, com golos de Nuno Gomes e Litos a sobrarem para um de Dane Kupressanin, em jogo apitado por Vítor Pereira. Um ano antes, em 1994, 31 de Dezembro foi mesmo de grande actividade futebolística, com quatro jogos a assinalarem a noite chuvosa de passagem de ano, entre os quais um Boavista-FC Porto ganho pelos “dragões”. Ainda assim nada tão penalizador como o que tinha sucedido no Inverno anterior, quando houvera jornada a 2 de Janeiro, aí sim impedindo os excessos tradicionais da época.


Máximo de 47 dias
A Liga campeã da interrupção invernal é a… turca, com 47 dias de paragem. Seguem-se Alemanha, Bélgica e Portugal.

Inglaterra
É época de futebol, com quatro jornadas em 11 dias: uma a 23 Dezembro, outra a 26, outra hoje, dia 30, e ainda mais uma na terça-feira, 2 de Janeiro.

Escócia
O calendário é copiado do inglês, com quatro jornadas na mesma semana e meia, mas com a originalidade de até haver jogos a 1 de Janeiro.

Alemanha
Os rigores do Inverno obrigam a uma paragem de 40 dias – a 17 de Dezembro jogou-se a 17ª ronda e a 18ª está marcada para 27 de Janeiro.

França
Já lá vai o tempo das longas paragens. Jogou-se a 23 de Dezembro e volta a jogar-se a 13 de Janeiro. Mesmo com frio e neve, não há “trève”.

Itália
Tal como em França, jogou-se na antevéspera de Natal, a 23 de Dezembro, havendo depois lugar a três semanas de paragem até 14 de Janeiro.

Espanha
A jornada de Natal foi antecipada para 20 de Dezembro e as férias vão até 7 de Janeiro, já depois do dia de Reis. Duas semanas e meia sem jogos.

Bélgica
O futebol belga pára durante um mês, de 17 de Dezembro até 19 de Janeiro. Afinal pouco mais tempo do que acontece em Portugal.

Holanda
Joga-se à inglesa: jornada a 23/24 de Dezembro, outra a 26/27, a seguinte neste fim-de-semana. Mas depois há três semanas de paragem.

Turquia
A paragem não se deve ao Natal, que a Turquia é maioritariamente muçulmana, mas ao frio e à neve. Tudo para de 10 de Dezembro a 27 de Janeiro.

Grécia
O campeonato grego tem uma paragem inferior à da Liga portuguesa: de 17 de Dezembro a 7 de Janeiro, para o Natal e o Ano Novo.


Publicado em Correio da Manhã, 30/12/2006

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