sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Segredos para uma ultrapassagem

Se é daqueles que acredita que o FC Porto ainda não é campeão nacional e quer ganhar dinheiro com isso vai ter de convencer as principais casas de apostas europeias a reabrir a questão. É que a vantagem que a equipa de Jesualdo Ferreira chegou a ter levou a que nem a Bwin, nem a William Hill, nem a Total Bet tenham neste momento definidas probabilidades para a aposta no campeão português. Contudo, duas derrotas nas duas últimas jornadas lançaram a dúvida sobre a equipa portista. O Sporting ficou a três pontos, o Benfica a quatro. E faltam 13 jornadas.
Até final, serão muitos os obstáculos no caminho dos campeões nacionais e dos maiores pretendentes ao título. Há, por exemplo, três jogos entre ambos: um FC Porto-Sporting no fim-de-semana de 18 de Março; um Benfica-FC Porto duas semanas depois, a 1 de Abril, e um Benfica-Sporting no final do mesmo mês, a 29. Além disso, o FC Porto ainda terá de visitar Marítimo e Boavista, o Benfica enfrenta duas deslocações à Madeira, onde tradicionalmente sofre para ganhar, e o Sporting desloca-se aos terrenos dos quarto (Sp. Braga), quinto (U. Leiria) e sexto (Paços de Ferreira) classificados. Com 39 pontos em disputa e tantos jogos quentes no calendário, seria uma loucura dizer que o título está arrumado.
E, no entanto, é raríssimo uma equipa deixar-se ultrapassar nas últimas 13 jornadas. Nos derradeiros dez anos, tal apenas sucedeu duas vezes, com a atenuante de numa delas (em 2004/05) os três grandes estarem todos empatados a 13 jornadas do fim – era líder o FC Porto, mas não foi verdadeiramente necessária uma ultrapassagem para o Benfica acabar como campeão. O único verdadeiramente ultrapassado nos últimos dez anos foi o FC Porto de 1999/00, comandado por… Fernando Santos, actual treinador do Benfica e candidato a fazer a Jesualdo Ferreira a desfeita que Augusto Inácio lhe fez nessa altura, levando o Sporting a interromper o jejum de 18 anos sem títulos.
A 13 jornadas do final desse campeonato, o Sporting estava a um ponto do FC Porto. A ultrapassagem deu-se quando faltavam oito jogos e os leões bateram os dragões em casa, por 2-0. “Nesse ano houve o célebre jogo de Campo Maior”, lembra Ljubinko Drulovic, aludindo a um Campomaiorense-FC Porto, exactamente a 13 jornadas do fim, apitado por Bruno Paixão, que a equipa portista perdeu por 1-0 e em que reclamou vários penaltis não assinalados. Na mesma noite, o Sporting empatou com o Gil Vicente e apanhou os dragões pela primeira vez. “Algumas pessoas não quiseram que ganhássemos o sexto campeonato seguido”, diz o extremo que, depois disso, passou pelo Benfica. A coincidência com Leiria é extraordinária – tal como há sete anos, o FC Porto cede num jogo em que reclama da arbitragem. Contudo, Drulovic não crê que isso desestabilize a equipa: “o próximo jogo é outra vez em casa”, refere, sem arriscar no nome do campeão. “Dificilmente os candidatos perderão muitos pontos. Serão os jogos entre eles a decidir tudo”, conclui.
Ora isto é exactamente aquilo em que não crê Nelson, que na época da ultrapassagem era suplente de Schmeichel no Sporting (fez seis jogos como titular). “Os jogos entre os grandes não serão decisivos. Quem tiver o grupo mais coeso será campeão”, diz o guarda-redes que passou esta época pelo V. Setúbal. É que, nas palavras deste elemento particularmente activo na formação de espírito de balneário, pelo seu carácter bem-disposto, foi esse o segredo de 1999/00. “Se fossemos a analisar jogador por jogador, seríamos os menos favoritos. Mas tínhamos um espírito de grupo notável, éramos muito solidários”. Paulo Bento e Fernando Santos já sabem no que terão de apostar.



FC Porto
Pontos Fortes
O plantel é o mais rico dos três candidatos. É, pelo menos, quem tem um melhor onze, graças às as contribuições de Pepe, Lucho Gonzalez e Quaresma, respectivamente o melhor defesa, o melhor médio e o melhor atacante da Liga. Deles e de Postiga, o melhor marcador, espera-se sempre que desequilibrem um jogo.

Pontos Fracos
As segundas escolhas não estão minimamente à altura das primeiras. Ricardo Costa parece ter perdido o comboio da qualidade, Assunção está longe do nível mostrado como defesa/médio, os laterais, de matriz sul-americana, ainda não convenceram plenamente, além de que falta quem responda no mau momento de Postiga.

Margem de Progressão
É grande, pois se a Liga abriu foi graças às duas derrotas seguidas do FC Porto. Os próximos jogos são fundamentais – ou entra numa série vitoriosa e arruma a questão, ou continua a hesitar e se coloca fora da luta.

Momento Psicológico
Muito mau. A equipa virou-se contra o árbitro para explicar a derrota em Leiria e não foi capaz de fazer a necessária introspecção antes do jogo com o Estrela, perdido por absoluta falta de capacidade.

Factor Surpresa
Só pode ser Anderson. O regresso do médio brasileiro, no mês que vem, pode devolver imprevisibilidade e mudanças de velocidade a um futebol por enquanto demasiado dependente do brilho de Quaresma.


Sporting
Pontos Fortes
A co-habitação de muitos jogadores da formação pode blindar um grupo que, bem focado nos seus objectivos, é difícil de bater. Defende bem e tem tido em Polga o líder em campo. Se voltarem a mostrar o futebol do início de época, Moutinho e Nani poderão ajudar Liedson a levantar a equipa ao mais alto lugar do pódio.

Pontos fracos
Viu-se contra o Nacional que, por vezes, a vontade de fazer tudo depressa e bem tão própria da juventude também atrapalha. Além disso, também tem problemas nas laterais, onde Caneira não está a repetir a época brilhante do ano passado. E ainda não apareceu um parceiro capaz de se impor ao lado de Liedson no ataque.

Margem de progressão
Enorme, pois trata-se de uma equipa que ainda no sábado alinhou com cinco jogadores sub-23. A atrapalhar, só o sub-rendimento de Moutinho, cansado, e Nani, desfocado do que mais interessa à equipa.

Momento psicológico
Nem bom nem mau. Já superou a crise Outonal e o afastamento prematuro da UEFA, mas não aparenta a força mental que mostrou nas dez vitórias seguidas obtidas entre Janeiro e Abril do ano passado.

Factor Surpresa
Poderá ser Pereirinha, se confirmar o que deixa suspeitar – um futebol dinâmico, à Moutinho. Mas também Veloso, se se fixar, poderá ajudar a levantar a equipa. Surpresa também seria Carlos Martins aparecer em grande.


Benfica
Pontos fortes
Está a desenvolver o melhor processo ofensivo dos três candidatos – um futebol de posse, que começa a compatibilizar a velocidade de Simão com a direcção de Rui Costa e o oportunismo de Katsouranis. Quim também contribuiu para que, antes do nulo com o Boavista, tenha ganho algumas vezes sem jogar muito.

Pontos fracos
Faltam opções para a defesa onde, a contrastar com o excesso de guarda-redes de qualidade, o plantel está demasiado vulnerável às lesões: o suplente de Nelson é Pedro Correia, a opção de recurso no centro é o desconhecido David Luiz. E falta um matador capaz de fazer um golo em cada duas ocasiões.

Margem de progressão
Pode ser boa, porque só agora está a aprender a jogar com Rui Costa. Mas a série de seis vitórias e dois empates (com dois golos sofridos) desde a derrota em Braga, em Novembro, pode prenunciar queda de rendimento.

Momento psicológico
É excelente. Por um lado graças aos resultados das últimas jornadas, que devolveram a equipa a uma corrida de que se julgava arredada. Por outro devido ao efeito de Rui Costa e Derlei, duas aquisições de Inverno.

Factor surpresa
Poderá ser o renascimento de Nuno Gomes: a equipa bem precisaria de o ver regressar às duas dezenas de golos que não marca desde 1999. Ou o aparecimento de Miccoli com os 64 quilos que lhe dão todos os almanaques italianos.


E se fosse como há um ano?
Benfica seria campeão
Se as equipas em luta pelo título repetissem os resultados do campeonato passado, o Benfica seria um espectacular campeão, mesmo titubeando a poucas jornadas do fim. Tudo porque, após um comprometedor empate na Madeira, contra o Nacional, que o deixaria a seis pontos do FC Porto, alinharia oito vitórias consecutivas, num período em que iria beneficiar de três empates igualmente seguidos do FC Porto (em casa com o Braga, no Funchal com o Marítimo e de novo no Dragão com o Sporting). O Benfica-FC Porto da Luz, jogado a oito jornadas do fim, apanharia assim as duas equipas empatadas com 49 pontos, com o Sporting à espreita, com 44, mas a vitória do Benfica isolaria pela primeira vez os jogadores de Fernando Santos na frente, permitindo igualmente ao Sporting – que nessa jornada bateria o Beira Mar, depois de ter comprometido a candidatura perdendo em Paços de Ferreira e em casa com o Estrela da Amadora – aproximar-se do FC Porto. Até ao derby de Lisboa, o Benfica ainda aumentaria a vantagem para três pontos, mercê do empate do FC Porto em casa com o V. Setúbal, e pareceria um campeão antecipado. Puro engano pois, de uma penada, perderia na Luz com o Sporting e empataria com a Naval deixando o FC Porto a apenas dois pontos, com dois jogos por disputar. Contudo, uma vitória em Setúbal e outra, em casa, com a Académica seriam suficientes para devolver o título de campeão ao Benfica, num campeonato disputado até ao último dia.

Publicado em Correio da Manhã, 10/2/2007

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