sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O problema e a solução

Os teorizadores do bom futebol não se cansam de nos dizer que quem joga bem dá um passo em direcção à vitória e de negar a eficácia do cinismo na obtenção de resultados. Concordo, na medida em que não acredito numa relação causal entre o mau futebol e as vitórias. Mas as coisas não são assim tão lineares – há sempre lugar a um período de adaptação quando se quer passar de uma realidade para a outra. Isto é, pode ser-se bom a jogar mau futebol, como pode ser-se mau a jogar bom futebol. E vice-versa. O Benfica, por exemplo, foi campeão a jogar mau futebol, porque o fazia com inteligência e eficácia. Agora, quis voltar a um futebol vistoso, mas está a sentir dificuldades, bem reflectidas nos últimos jogos.
O segredo do Benfica de Trapattoni era a rapidez nas transições. O Benfica proclamava o seu miserabilismo como forma de convencer os adversários de que podiam ganhar-lhe, convidava-os a atacar e, num ápice, não só recuperava a bola como a colocava rapidamente na frente e fazia golos. Escudado na sua velocidade, na capacidade de definição e na inteligência como futebolista, Simão era a figura maior desse onze. Ora, não só por ter ganho assim o campeonato que pôs fim ao mais longo jejum de títulos na história do clube, mas também por força do hábito, a equipa acomodou-se a esse futebol de que os adeptos nunca gostaram – razão pela qual Trapattoni não viu o contrato renovado e lhe sucedeu Ronald Koeman.
Koeman, contudo, acabou por ceder aos pedidos mudos feitos pelo ADN dos seus jogadores e o processo não evoluiu como os adeptos quereriam. Contudo, os tempos, agora, são diferentes. O Benfica recuperou Rui Costa, o último grande jogador formado na Luz, e quer encher o estádio à custa de um futebol faustosamente ofensivo. Onde antes proclamava miserabilismo, o clube quer agora ostentar um poder compatível com o estatuto adquirido através da presença no lote dos 20 mais ricos do Mundo. Contra o Boavista, fez uma das melhores exibições dos últimos tempos, mas não ganhou; na Póvoa, fez uma primeira parte razoável, mas acabou eliminado da Taça pelo Varzim, do escalão secundário; face ao Dínamo, atacou incessantemente mas só conseguiu o golo salvador a um minuto do fim. A questão é que, ao trocar o ataque rápido e o contra-ataque pelo ataque organizado, o Benfica está a apelar a atributos diferentes dos que lhe vinham garantindo o sucesso. Por uma razão muito simples – o tempo que se leva a chegar à baliza em ataque organizado também permite ao adversário estar… organizado na defesa.
E há “nuances”. Na Póvoa, enquanto o Benfica ocupou os espaços do meio-campo sem contar com Rui Costa (com Beto, Katsouranis e Coimbra) e teve à frente dele duas referências capazes de prender um defesa-central e o médio defensivo (Nuno Gomes e Simão), o “maestro” soltou-se bem e fez dois ou três passes de golo. Na segunda parte, quando a equipa precisou que ele recuasse para ocupar um dos lugares no meio-campo (o que nunca fez convenientemente) e lhe tirou as referências para os bloqueios frontais, passando a jogar num 4x3x3 que favorece o encaixe dos três atacantes nos quatro defesas adversários, ele desapareceu. O “Maestro” é ao mesmo tempo, a origem e a solução para o problema. Mas é preciso saber utilizá-lo.


DÚVIDAS LEGÍTIMAS
O 3x4x1x2 é boa alternativa para o Sporting?
É. Porque o Sporting tem três bons centrais, dois dos quais com prática de fecharem as laterais. Porque lhe permite uma melhor ocupação dos corredores no ataque sem perder gente ao meio, pois mantém três homens focados no jogo interior. Terá fragilidades na transição defensiva, nas alas, mas nem toda a gente conseguirá explorá-las.

Cristiano Ronaldo deve ir para Espanha?
Do ponto de vista futebolístico, não: nenhuma equipa pode proporcionar-lhe a evolução tranquila que tem pela frente no Manchester United, um grande europeu onde tem margem de progressão e é protegido. Mas o futebol é um negócio e, para haver negócio, tem que haver lucro e o capital precisa de estar sempre a mexer.

É normal um treinador substituir um suplente?
Depende da relação com o plantel. O que Rednic fez a Kalanga – substituiu-o pouco depois de o fazer entrar – pode matar um jogador ou, em alternativa, se o grupo sentir a injustiça, acabar com o técnico. Mas Rednic parece um líder férreo e incontestado. E o futebol contemplativo de Kalanga estava a pedi-las.


PÉ DE PÁGINA
ABRAÇO. O abraço de Ronaldinho a Eto’o fica bem nos jornais e passa ainda melhor nos blocos noticiosos das televisões, mas não esconde o verdadeiro problema. E o problema é muito simples: agora que passou o Mundial, que o Barça até ganhou uma Liga dos Campeões com a sua própria versão dos galácticos, vieram à tona as personalidades fortes e a disparidade de interesses num balneário difícil de gerir.

EGOS. Claro que acima de tudo estão os egos gigantescos de jogadores que foram habituados a serem idolatrados desde tenra idade. Ronaldinho não admite que lhe apontem nada, apesar de estar a milhas do seu rendimento do ano passado. Eto’o, que toda a gente sabe que não é flor que se cheire, não quer ser bode expiatório da crise de resultados e entrar em campo para os últimos cinco minutos de um jogo, porque acha que vale mais que isso.

FIM DE CICLO. Tudo prenuncia um fim de ciclo estrondoso lá para o Verão. Rijkaard assobia para o ar, porque sabe bem que só tem de aturar estas birras até Maio – depois se encarregará do Milan ou do Chelsea, onde entrará com o contador a zeros. E a grande dúvida é se, antes de sair, ainda ganha alguma coisa, se este será mesmo o ano do Sevilha ou se, de fininho, sem se dar por ele, Capello ainda fica a rir-se.

Publicado em Record Dez, 17/2/2007

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