sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Postiga - O renascimento do goleador

Está de volta o goleador. Com 10 golos nas primeiras 14 jornadas da Liga e mais um na Champions, Hélder Postiga tem sido fundamental na consolidação do FC Porto enquanto líder e perfila-se como principal candidato ao título de melhor goleador do país. Algo que nenhum português consegue há onze anos

Hélder Postiga, o melhor marcador da Liga, tem apenas 24 anos, mas já foi forçado a regressar dos mortos, a reerguer-se das cinzas. Exceptuando os jogos da selecção, onde marcou apenas sete golos desde que saiu do FC Porto para o Tottenham, no Verão de 2003. Sete golos em três épocas, nas quais conheceu três camisolas (Tottenham, de novo FC Porto e Saint Etienne) não são números de um goleador. E, sobretudo, não têm nada a ver com os que ostenta agora. Nos três meses que leva a jogar no FC Porto de Jesualdo Ferreira – não esteve na primeira jornada, pelo que só começou a meio de Setembro – Postiga já fez mais golos que nos três anos anteriores: onze, entre Liga e Champions.
Os goleadores, já se sabe, dependem muito de quem os rodeia. Mesmo assim, a metamorfose de Postiga não é normal. “O que esteve por trás do sub-rendimento foi uma passagem prematura pelo exterior, numa altura em que ele não tinha maturidade para tal, e depois a falta de aposta nele, por causa da concorrência do McCarthy”, aventa Rui Águas, ele próprio um ex-goleador que experimentou o estrangeiro (mais velho, aos 33 anos, na Reggiana) sem marcar golos (em 12 jogos). A história da emigração de Postiga é bem diferente: sob as ordens de José Mourinho, venceu pelo FC Porto a Liga e a Taça UEFA de 2003, fazendo 13 golos no campeonato mais seis na caminhada até à final de Sevilha, contra o Celtic, que não jogou por ter sido expulso na meia-final. E o FC Porto aproveitou para vendê-lo ao Tottenham.
Mourinho, que tivera alguns atritos com o goleador, não se opôs à transacção, mas achava que Postiga fizera uma má opção, porque o clube londrino atacava pouco. Contactado pelo Correio Sport, Mourinho preferiu não se pronunciar. “Não falo sobre jogadores do FC Porto, muito menos agora, que vou jogar com eles”, escusou-se. De qualquer forma, Jorge Cadete, que é, com Pauleta, um dos poucos goleadores portugueses a manterem a produção goleadora no estrangeiro – foi melhor marcador da Escócia, no Celtic, depois de ter falhado em Itália, no Brescia – vê méritos nesse argumento. “Um avançado que faz, como eu e ele, toda a formação num grande, cria características em função disso. Num clube de menor dimensão joga-se de outra forma”, sustenta Cadete. “Se, ainda por cima, somos estrangeiros, isso muitas vezes leva a que não haja tanta ajuda dos companheiros: muitos dizem ‘Ele é que é a estrela, então ele que corra!’”.
Tudo somado, seja por ter encontrado um clube em convulsão, onde David Pleat foi técnico interino por toda a época, ou por ter optado por uma equipa que atacava pouco, Postiga fez apenas dois golos em toda época, um na Premier League e outro na Taça da Liga. Em 2004, já sem Mourinho, o FC Porto recuperou o goleador que Octávio Machado lançara entre os titulares três anos antes, num clássico contra o Sporting. Mas o regresso também não foi produtivo: com Fernandez, Postiga ficou sempre em branco; na segunda metade da época, já com José Couceiro, fez três golos. “Tem a ver com os níveis de confiança”, defendeu na altura Couceiro, hoje seleccionador nacional de esperanças. “Encontrei-o com mau ambiente na massa associativa, a pedir para sair”, prossegue, lembrando que, na selecção, onde Scolari sempre o apoiou, Postiga nunca deixou de render: “Precisa de saber que acreditam nele”.
Ora também Cadete e Águas recorrem aos níveis de confiança para explicar o renascimento de Postiga. “Ele agora sabe que tem a confiança do treinador, quando muitas vezes os avançados são prejudicados por temerem que, se não fizerem golos num determinado jogo, podem ir para o banco no próximo”, diz Cadete. “Atravessa um período muito bom e, nessas alturas, até parece que a bola vem ter connosco”, complementa Águas. Provavelmente sabedor disso, Co Adriaanse, o treinador que se seguiu a Couceiro no Dragão, transmitiu confiança a Postiga, deu-lhe a camisola 10 e pediu-lhe que jogasse atrás do ponta-de-lança. O idílio, contudo, durou pouco: dois jogos sem marcar, regressão para a equipa B e exílio em França na segunda metade da época, no Saint-Etienne, onde marcou apenas duas vezes.
O erro do técnico holandês terá sido táctico e não de relacionamento. Rui Águas, por exemplo, não acha que Postiga seja um 10. “Tem morfologia de um avançado de referência, de um 9 clássico. É tecnicamente forte, tem razoável mobilidade e é bom rematador”, diz, na mesma linha de raciocínio expressa por Couceiro. “Ele pode jogar em 4x4x2, com um avançado igualmente móvel, mas no 4x3x3 tem que ser o 9, o avançado de referência”, sustentou. Contudo, se no seu melhor ano o goleador das Caxinas marcava quase sempre de pé direito e num único toque, esta época divide na perfeição os golos entre os dois pés, junta-lhes uma maior percentagem de golos de cabeça e de concretizações com trabalho prévio (drible, recepção de costas para a baliza e remate…). Estará um jogador mais completo? Rui Águas vai mais longe. “Em comparação comigo, com o Cadete ou o Domingos, não está: é um jogador mais completo”.



TRÊS PORTUGUESES EM 20 ANOS
Rui Águas, 1990/91, 25 golos
Rui Águas só foi melhor marcador do campeonato nacional por uma vez, mas nesse ano foi fundamental na caminhada do Benfica de Eriksson para o título. Com 25 golos em 37 jogos, o filho de José Águas fez a sua época mais produtiva e marcou mesmo um golo no empate a duas bolas na Luz contra o FC Porto, pelo qual tinha sido campeão no ano anterior. De resto, este avançado cujo ponto forte era o jogo aéreo, sobretudo por causa de um tempo de salto a rondar a perfeição, bisou por quatro vezes, tornando-se o primeiro português a ganhar os melhores marcadores desde Manuel Fernandes, em 1986.

Cadete, 1992/93, 17 golos
A época inteira de Bobby Robson no Sporting não foi a mais produtiva de Cadete, mas foi aquela em que a concorrência se ficou por números mais modestos, permitindo-lhe ser o melhor marcador com 17 golos. Cadete jogou nas 34 partidas do campeonato, impondo a velocidade e a coragem que o levava a ganhar bolas aéreas na área adversária sem ser dono de uma compleição física notável. Para ganhar, beneficiou de uma boa ponta final da época, uma vez que nas primeiras 11 jornadas fizera apenas três golos. Ao todo, bisou por três vezes, mas não festejou um único golo aos outros dois grandes.

Domingos, 1995/96, 25 golos
O portista Domingos foi o último português a vencer os melhores marcadores da Liga, há onze anos. O actual treinador da U. Leiria acabou a época com 25 golos em 29 jogos, mantendo uma média invejável de um golo por jogo até se lesionar, à 22ª jornada. Dono de uma habilidade e de uma velocidade que mascaravam a sua menor potência física, foi decisivo no segundo título do FC Porto de Robson, marcando por seis vezes dois golos num jogo – exemplos disso foram dois bis ao Sporting (2-1 nas Antas e 2-0 em Alvalade) e um ao Benfica (no 3-0 nas Antas), a provar que não se escondia nos jogos mais difíceis.


ENTREVISTA

Elie Baup, treinador do Toulouse, guarda boas memórias do Postiga que dirigiu no Saint-Etienne

“É feito para grandes equipas”

Correio Sport – Postiga marcou já nesta meia época mais golos que nos últimos três anos. Encontra alguma razão para explicar isso?
Elie Baup – Não. Comigo, no Saint-Etienne, ele marcou sempre muitos golos nos treinos. Mas depois chegava aos jogos, as coisas não lhe saíam tão bem e ele foi perdendo confiança. Às vezes, para um atacante, a confiança é o mais importante. Talvez tivesse a ver com quem jogava ao lado dele…
Correio Sport – Ele jogava como único ponta-de-lança?
Elie Baup – Não. Jogávamos com dois atacantes. Como está a jogar agora?
Correio Sport – Como único ponta-de-lança, em 4x3x3…
Elie Baup – Sabe que, em 4x3x3, a maioria dos golos são marcados pelo avançado-centro. Eu joguei assim no Bordéus e tinha comigo o Pauleta, que acabou sempre as épocas com mais de 20 golos [20 em 00/01, 22 em 01/02 e 23 em 02/03]. Porque à volta dele há extremos que vão à linha para o servir, há médios que trabalham…
Correio Sport – No FC Porto a equipa joga para ganhar o campeonato, é mais ofensiva, enquanto que tanto no Saint-Etienne como no Tottenham os objectivos eram mais modestos. Há atacantes que precisam de equipas de ataque para se exprimir?
Elie Baup – O que se pede aos atacantes varia consoante as equipas. Numa equipa de ataque, o avançado está mais perto da baliza adversária, não precisa de correr tanto. Postiga é feito para jogar em grandes equipas.
Correio Sport – Adriaanse dispensou-o porque achava que ele não era concentrado no trabalho. Teve problemas desses com ele?
Elie Baup – Não. Gosto muito dele e comigo ele trabalhou sempre bem. Nunca tive problemas com ele nem com nenhum dos portugueses com quem trabalhei. E foram muitos: Caneira, Bruno Basto, Pauleta…
Correio Sport – Em três palavras, como definiria Postiga?
Elie Baup – Talento puro, classe e inteligência nas desmarcações.



Publicado em Correio da Manhã, 23/12/2006

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